Enfermagem: uma carreira “sub-valorizada”

Portugal tem vindo a colapsar nos últimos tempos, quando três dos setores mais importantes para suportar qualquer Estado (saúde, educação e habitação) são os que mais foram prejudicados nos últimos dois mandatos do Partido Socialista que tem um líder que “não sabe o que falhou”.

Para a redação deste texto contei com o apoio de uma testemunha próxima, a minha irmã, que para além de jovem, é também enfermeira.

Não quero utilizar um tom melodramático, mas a verdade poucos veem ou ouvem, pelo menos aqueles que têm como obrigação fazê-lo, os primeiros a afirmar que “representam o povo português”. Considero-me sortuda por saber aquilo que realmente se passa e quero, por isso, utilizar esta plataforma para elucidar brevemente aqueles que pouco sabem, ou querem saber.

Quero começar então por abordar as desigualdades no acesso a saúde pública. É verdade que ao contrário de países como os EUA, nós temos um Serviço Nacional de Saúde, mas que pouco tem respondido às nossas necessidades. As listas de espera são enormes e a falta de resposta tem sido de tal forma elevada que mais facilmente optamos pelos serviços privados. Isto tem consequências para os nossos rendimentos, que como todos sabemos são baixos, e nem sempre os seguros de saúde comparticipam as nossas despesas. Tornou-se numa questão de “vida ou morte”. Ou ficamos mais pobres e tratados, ou continuamos pobres sem nada que nos ajude. No meio disto tudo, são os dois grupos mais frágeis que no final do dia são mais prejudicados, idosos e grávidas. Casos de idosos que não são devidamente acompanhados pelos familiares, não sabem como funciona um seguro de saúde e têm mais dificuldade em deslocarem-se a um centro hospitalar para serem tratados, representam 24% da população, mas isso deixou de ser relevante. Existem ainda os casos das mulheres grávidas que se veem desesperadas para encontrarem um serviço público de maternidade disponível com um número mínimo de profissionais a trabalharem.

A expressão desespero remete-me para um outro problema que vejo na minha irmã, assim como em muitos outros profissionais, aqueles que restam no país. O número de jovens que têm mais de um emprego aumentou substancialmente. No caso da minha irmã, já ultrapassa os 2 empregos. Uma jovem de 24 anos que não é capaz de pagar a renda e que, para não depender dos pais, arranjou mais dois empregos para poder suportar a “vida de adulto”. Casos como o dela existem em demasia. Deixam de ter uma vida pessoal porque não sabem como sobreviver até ao final do mês com tantas dívidas para pagar. Como é que em Portugal, um país que durante muito tempo se gabou da qualidade do ensino superior, não consegue manter os jovens recém-licenciados dentro das fronteiras? A resposta para isso é baixos salários e falta de condições. No caso de um enfermeiro que trabalhe 35 horas semanais no setor público, receber abaixo de 1.200 euros não é forma de incentivo nenhuma. É impossível competir com o mercado de trabalho britânico que lhes garante representatividade e bons ordenados. São tantos os jovens enfermeiros que para lá caminham, que suspeito que nos requisitos para ocupação dos cargos tenha lá indicado “licenciados em Portugal”.

Para além de ser uma profissão que muito dá e pouco recebe, existe também aquilo a que chamo “problema dos estatutos”. “Enfermagem não é uma profissão de desgaste rápido ou risco”, gostaria de saber com que tipo de fundamento foi possível realizar essa afirmação. Já por diversas vezes o sindicato dos enfermeiros veio apelar para a aprovação desta moção, mas foi o partido socialista o único responsável por votar contra esta alteração, impedindo assim quaisquer mudanças. Passo a citar apenas alguns dos muitos riscos de trabalhar em hospitais/clínicas que obriguem ao profissional um constante contacto com os pacientes:

Riscos Fisiológicos: ruídos, vibrações, radiações, extremos de temperatura, pressões anormais, humidade, iluminação inadequada, falta de sinalização adequada e espaço físico inapropriado;

Riscos Químicos: Gases, vapores anestésicos, antissépticos e poeiras;

Riscos Biológicos: Micro-organismos, material infectocontagioso, perfurocortantes, já para não falar sobre a propagação de doenças como a COVID-19 e a Gripe A que prejudicaram centenas de profissionais de saúde ao longo dos tempos;

Riscos Ergonómicos – Sobrecarga de peso, postura inadequada;

Riscos de Acidentes – Iluminação inadequada, risco de incêndio, piso escorregadio, máquinas defeituosas e ferramentas inadequadas;

Riscos Mecânicos – objetos perfurocortantes;

Riscos Psicossociais – Sobrecarga psicológica, jornada de trabalho inadequada, ritmo acelerado, tarefas repetitivas, ambiente conflituoso e competitivo, relacionamento conturbado com pacientes e acompanhantes, entre outros.

(Riscos identificados pelo Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo.)

Para uma leitura mais aprofundada dos riscos de uma profissão há tanto tempo desvalorizada, aconselho à leitura do documento de suporte à Petição n.º19/XIV/1.ª realizada por dois enfermeiros que em 32 páginas descrevem e demonstram os riscos desta profissão tão sub-representada.

Assim deixo uma mensagem para todos aqueles se esforçam todos os dias para nos tratarem e acompanharem: “Obrigada por tudo aquilo que fazem por nós, ainda que não existam condições para realizarem o vosso trabalho da melhor forma.”

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade da autora, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Escrito por: Adriana Alvim

Editado por: Pedro Cruz

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