Nem todos os filmes nos levam do riso ao choro e tick, tick… BOOM! envolve o espetador em várias emoções através da música, numa história que retrata mais do que a vida de um artista, mas a própria realidade da vida e das paixões.

tick, tick… BOOM! é um filme baseado no musical autobiográfico escrito pelo protagonista desta narrativa, Jonathan Larson, musical esse que dá o nome a esta nova obra cinematográfica da Netflix, realizada por Lin-Manuel Miranda, que se estreia maravilhosamente na realização de longas-metragens.
O musical passa-se nos anos 1990 e acompanha a vida de Jonathan Larson (Andrew Garfield), um aspirante escritor de peças teatrais que busca pelo sonho de ver Superbia, uma peça que demorou oito anos a escrever, nos palcos da Broadway. Na busca pelo seu sonho, Jon parece estar numa luta contra o tempo, com a pressão que sente ao aproximar-se dos seus 30 anos e de ainda não ter tido o seu primeiro sucesso ou sequer a vida idealizada pela sociedade, com uma família e um emprego estável. Ao mesmo tempo, Jon lida com a rápida passagem do tempo e a pressão das responsabilidades que o rodeia, não só a necessidade de pagar contas, mas também a pressão dos amigos e da namorada, Susan (Alexandra Shipp), que está cansada de meter os sonhos do companheiro em primeiro lugar.
São poucos os filmes que me fazem chorar, mas todos aqueles que retratam a realidade, a vida tal como ela é, seja numa história ficcional ou verdadeira, e que o fazem belissimamente, não passam despercebidos para mim. A vida de Jon permite explorar temas que nos tocam a todos e com os quais lidamos diariamente, como a pressão do tempo que nunca para, a pressão de ter uma vida estável e de ter tudo antes de uma certa idade, porque nos fazem pensar que depois tudo irá parecer tarde demais. São aspetos em que pensamos pelo menos uma vez, com os quais nos podemos identificar e até nos levam a relacionarmo-nos mais profundamente com a história e criar uma maior empatia com o protagonista, mesmo que possamos sentir que não presta a atenção necessária ao que o rodeiam, mas que tem a coragem de não largar a sua paixão e o seu sonho. tick, tick… BOOM! retrata ainda a pressão de ser artista, o quão difícil se torna criar arte num mundo em que é caro e em que se necessita de muito tempo, tempo que não existe numa sociedade tão agitada.
Ao decorrer na década de 1990, tick, tick… BOOM!, retrata ainda um vírus, ainda muito letal na época e que aterrorizou gerações: o vírus da SIDA aumentou o preconceito e descriminação contra homossexuais, que eram apontados como culpados pela sua transmissão várias vezes. Esta realidade acaba por ser relevante no filme, não só pela época, mas também porque Jon está próximo dela, sendo o seu melhor amigo Michael (Robin de Jesús) homossexual. Michael seguiu um caminho diferente de Jon, que desistiu das suas aspirações como ator para ter um trabalho em publicidade bem remunerado, algo que lhe dava possibilidade de preencher o vazio que sentia por não poder casar ou adotar uma criança.
A forma como o filme está organizado também me cativou, estando sempre presente o “tick, tick” do tempo que se esgotava para Jon apresentar a sua peça com uma canção em falta, toda uma ansiedade de estar a ficar sem tempo que podemos também associar à vida de Larson.
Quem nos conta a sua história é precisamente o protagonista, tal como no musical com o mesmo nome, com temas da sua autoria muito interessantes e muitas vezes cómicos. Sei que para quem não é muito fã de musicais, a música pode estar em grande dose, mas é bem introduzida e é um elemento essencial para contar a história de Larson, uma personalidade movida pela paixão pelo espetáculo, a sua história não poderia ser contada de outra forma. Aconselho a não parar ao primeiro comichão que o musical vos der, porque ao ver a obra num todo não vão se arrepender.
Não posso terminar sem dizer que o elenco é fantástico, dando destaque a Andrew Garfield, que é inevitavelmente a alma do filme. Garfield é um ator que gosta de desafios e conseguimos perceber que estudou bem o seu papel e que incorporou completamente a personagem, representando bem a maneira de ser de Jon e expondo todas as emoções do protagonista perfeitamente, o que é fulcral para que a obra tenha sucesso. Além disso, fiquei muito surpreendida com as capacidades vocais do ator e certamente que quero vê-lo em mais musicais.
Outro membro do elenco que não podia deixar de destacar é Vanessa Hudges, uma cara bem conhecida para aqueles que viram os filmes de High School Musical, mas que não se reduz ao musical. Vanessa tem um historial de espetáculos onde mostrou várias vezes o seu talento, tendo inclusive feito parte do elenco da versão televisiva da peça Rent de Jonathan Larson, transmitida na FOX em 2019. Hudges, que pode parecer que não tem assim tanto destaque no filme, mas quando surge e canta e encanta nas atuações que faz, tendo um poder vocal fantástico.
tick, tick… BOOM! é assim um filme que nos inspira e convida a refletir com base na história de vida de Jonathan Larson, porque no mundo acelerado em que vivemos será que não acabamos por ceder e desistir das nossas paixões pela pressão do “tick, tick” que nos persegue?

Nota: 8/10
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Rafaela Boita
Editado por: Filipe Ribeiro