Há cerca de cem anos um novo amor despoletava nas mentes e corações de duas pessoas bastante relevantes para os caminhos sinuosos da vida em sociedade inglesa. Esta breve incursão pelo seu amor terá como objetivo despertar uma certa curiosidade do leitor desse lado da tela, fazendo com o que o mesmo eventualmente se dirija até uma típica livraria ou biblioteca e leia agradavelmente, e com maior profundidade, a vida e obra destes dois seres.
Encontramo-nos na Inglaterra, em plenos anos 20: os míticos anos dos ‘bon-vivant’, dos boémios e dos incansáveis rebeldes em persistente luta por uma afirmação na sua vida. Neste meio inconstante de vivências e de constante necessidade de afirmação, surge o famoso grupo de intelectuais britânicos denominado como Grupo de Bloomsbury. É precisamente neste grupo, onde a intelectualidade, a arte e o bom-viver se enalteciam, que uma das histórias de amor mais marcantes da contemporaneidade ganha forma, passível de ser comparada a uma espécie de lume regado a (bastante) combustível.
Virginia Woolf, nascida no dia 25 de janeiro de 1882 como Adeline Virginia Stephen, era já reconhecida na sociedade devido à sua irreverente presença literária, estreando-se no seu relativamente curto caminho literário em 1915 com o romance ‘’A Viagem’’. Casada desde 1912 com Leonard Woolf, é no Grupo de Bloomsbury que conhece a maior paixão da sua vida para lá da escrita: uma mulher cujos holofotes britânicos estavam sempre na sua mira, de nome pertencente à alta sociedade britânica, Vita Sackville-West torna-se na musa inspiradora de Virginia.
Sendo oficialmente a sua musa inspiradora, Vita toma forma masculina em ‘’Orlando’’, considerado o primeiro grande romance pós-modernista da História da literatura, publicado no ano de 1928. ‘’Orlando’’ apresenta também a vertente semibiográfica, onde a vida e a desconstrução de género são temas amplamente mencionados. No final de contas, para Virginia, ser mulher deve ser equivalente a ser homem, nem mais, nem menos, e a obra revolve-se em torno dessa mesma questão, com as suas sátiras, ironias e imbróglios próprios da vida. É, portanto, uma autêntica declaração de amor a Vita, que durante grande parte da sua vida questionou-se relativamente ao motivo pelo qual não tinha os mesmos direitos em sociedade que os homens com os quais privava, sentindo-se tremendamente injustiçada.
Recuando oito anos atrás, de forma a embalar a história deste romance, Vita Sackville-West e Harold Nicholson haviam casado há pouco tempo. Sendo um casal extremamente progressista, era hábito chocar a sociedade conservadora em que viviam, tanto pelo seu modo de viver, como devido às suas visões relativamente ao casamento. Para Vita e Harold, o casamento deveria ser uma experiência de liberdade e não uma mera gaiola onde dois pássaros viviam enclausurados em si próprios. Assim, tanto Harold como Vita viviam uma vida de liberdade com diversos casos amorosos, mas regressando sempre ao colo de si mesmos, onde a amizade e companheirismo residiam acima de tudo o resto. No outro lado da moeda temos Leonard e Virginia Woolf, desconsiderados pela sociedade conservadora devido às suas ideias e ideais boémios, tanto pelo modo de viver, como pelo relacionamento platónico que nutriam um pelo outro.

Nesta liberdade tão dona das suas vivências e experiências, Virginia e Vita teriam um encontro comum num determinado ponto das suas vidas. Esse encontro tão mágico e (quase) destinado seria denunciado pelas milhares de cartas, tanto românticas como de mera amizade, redigidas e trocadas durante quase vinte anos, entre 1922 e 1941. O destino, que tinha tanto de belo como de sombrio, seria cortado pela raiz demasiado cedo, aquando do suicídio de Woolf, a 28 de março de 1941.
A verdade é que foram cinco anos de uma relação amorosa confirmada entre as duas e mais quinze anos de uma extasiante amizade. Relembrando que na época as relações entre casais do mesmo sexo eram vistas com maus olhos pela sociedade, levando inclusivamente a graves punições por lei, o relacionamento entre estas duas mulheres foi essencialmente documentado através das cartas que hoje se encontram reunidas num livro publicado em 2021 pela editora inglesa Vintage Classics: ‘’Love Letters of Vita Sackville-West & Virginia Woolf’’. Neste livro encontramos toda a compilação de cartas trocadas entre Virginia Woolf e Vita Sackville-West nas 280 páginas que o compõem. Salienta-se também a organização da obra, tanto através das datas, como através da constante resposta por parte de ambas.

De facto, muito podemos pesquisar acerca desta mítica relação entre duas mulheres cuja sociedade em que viviam não as conseguia acompanhar, mas nunca conseguiremos conhecer tão bem o cerne de todo este envolvimento sem ler as milhares de cartas e textos trocados entre si. São estas cartas que conseguem trazer à tona da água quase todos os sentimentos, as tristezas, as felicidades, o amor, quase como se nós próprios fizéssemos parte de uma história tão única e real quanto a história que aqueles dois pássaros livres vivenciaram. É esta a beleza da radicalidade do que aconteceu, e do quão atual o seu relacionamento é, mesmo após quase cem anos de constantes mudanças e numa época onde os direitos LGBT+ já se encontram tão na ordem do dia.
Após esta breve incursão pelo amor de Virginia e Vita, espero ter despertado a curiosidade e o amor pela leitura por parte do leitor que se encontra desse lado da tela. Ainda não existe edição traduzida para português, mas a edição em inglês encontra-se disponível nas livrarias habituais (e com bastante saída!). Aguardo pelo feedback desse lado. E viva o amor!
“I am reduced to a thing that wants Virginia. I composed a beautiful letter to you in the sleepless nightmare hours of the night, and it has all gone: I just miss you, in a quite simple desperate human way. You, with all your un-dumb letters, would never write so elementary a phrase as that; perhaps you wouldn’t even feel it. And yet I believe you’ll be sensible of a little gap. But you’d clothe it in so exquisite a phrase that it would lose a little of its reality. Whereas with me it is quite stark: I miss you even more than I could have believed; and I was prepared to miss you a good deal. So this letter is just really a squeal of pain. It is incredible how essential to me you have become. I suppose you are accustomed to people saying these things. Damn you, spoilt creature; I shan’t make you love me any the more by giving myself away like this —But oh my dear, I can’t be clever and stand-offish with you: I love you too much for that. Too truly. You have no idea how stand-offish I can be with people I don’t love. I have brought it to a fine art. But you have broken down my defences. And I don’t really resent it.”
― Vita Sackville-West, The Letters of Vita Sackville-West and Virginia Woolf
Fontes:
Sabe mais através das ligações seguintes:
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/tratamentos-violentos-e-angustia-os-momentos-finais-da-romancista-virginia-woolf.phtml
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/paixao-avassaladora-intensa-relacao-entre-virginia-woolf-e-sackville-west.phtml
Escrito por: Madalena Caldeira Batanete
Editado por: Filipe Ribeiro