O trágico fenómeno dos school shootings – causas e prevenção

Os school shootings são uma trágica mas comum realidade nos Estados Unidos da América. Em 2019, já houve 38 tiroteios em escolas americanas – 12 dos quais mortais – sendo que o mais recente ocorreu no dia 3 de Dezembro em Oshkosh, no Estado de Washington, no qual duas pessoas ficaram feridas. Estes 38 tiroteios inserem-se nos 267 que já ocorreram no século XXI, até agora, neste segmento.

Para além das graves consequências que estes acontecimentos causam, existe um grande debate acerca dos problemas a eles associados. O que leva alguém a entrar numa escola e a disparar indiscriminadamente sobre várias crianças ou adolescentes? A resposta é incerta e ambígua. A maior parte das pessoas aponta o porte legal de armas de fogo nos Estados Unidos como o principal problema. Outros focam-se mais em questões pessoais e sociais como determinados distúrbios mentais, más condições de vida, exclusão social e bullying . Um nicho da população fala, ainda, da “falta de masculinidade”, defendendo que muitos dos atiradores apenas cometem os atos por terem visto a sua masculinidade ser “oprimida”.

Descartando a terceira teoria que, a meu ver, é um pouco desprovida de sentido, penso que a influência das questões pessoais e sociais e do porte legal de armas nos EUA são os fatores que mais contribuem para estas ocorrências.

A questão das armas
Os Estados Unidos são o país onde o número estimado de armas por civis é mais elevado – há cerca de 120.5 armas por cada 100 pessoas, o que significa que, em média, há muita gente a possuir mais do que uma arma. Em segundo lugar está o Iémen com 52.8 armas por cada civil, valor que, apesar de alto, corresponde a menos de metade daquele que diz respeito ao panorama norte-americano.

As leis acerca do porte de armas variam de estado para estado, mas verifica-se uma relativa convergência para a sua banalização. Em 50 estados, 45 dão total liberdade a quem quiser exibir uma arma de cano curto em público e 36 não impõem quaisquer restrições em relação ao registo da arma, não sendo necessária qualquer licença de porte!

Há alguma legislação que restringe a venda de armas de fogo a determinadas pessoas – como por exemplo indivíduos com antecedentes criminais ou pessoas com problemas mentais. Porém, é uma legislação defeituosa, uma vez que não exige a verificação de antecedentes nas vendas físicas.

Ao todo, existem mais de 50 mil lojas de armamento nos Estados Unidos. Pode parecer pouco, visto que estamos a falar de um país com mais de 300 milhões de habitantes. Contudo, quando comparamos este número com o de restaurantes McDonald’s – a maior cadeia de fast-food do mundo, verificamos um valor de 50 mil contra 14 mil.

Tendo em conta este cenário, por muito que não o queiramos admitir, é impossível não estabelecer uma relação direta entre o fácil acesso ao armamento nos EUA e os school shootings e tiroteios em geral no país. Se aprovar leis mais restritas em relação a este tópico iria acabar completamente com os tiroteios? Não. Para além de achar que se trataria de um processo algo demorado, não nos podemos esquecer que existe um mercado negro e que, mesmo em países onde não é comum o culto do porte da arma, ouve-se, de vez em quando, uma ou outra notícia de ataques com armas de fogo. Mas “de vez em quando” não tem o mesmo significado de “frequentemente”. Banir ou restringir as armas nos EUA não iria resolver totalmente um problema mas iria resolver grande parte dele. Penso que os homicídios – em massa ou não – iriam diminuir drasticamente.

Protesto em Washington, em frente da Casa Branca – Março 2018

O perfil dos atiradores
Bullying. Más condições de vida. Exclusão social. Problemas mentais. Muitas são as razões apontadas que podem levar um jovem a adquirir uma arma, entrar na escola e a disparar sobre os seus colegas. Não sendo possível, neste artigo, analisar um a um todos os quase 300 casos de school shootings nos EUA que já ocorreram no século XXI, escolhi analisar três casos específicos – o tiroteio de Virgina Tech, em 2007 (33 mortos), o tiroteio de Sandy Hook Elementary School, em 2012 (28 mortos) e o tiroteio de Stoneman Douglas High-School, em 2018 – bem como expor o perfil dos seus autores.

O school shooting da Universidade de Virgina Tech teve como executor Seung-Hui Cho, um aluno de 23 anos, oriundo da Coreia do Sul. Depois de disparar mortalmente sobre mais de 30 pessoas, suicidou-se dando um tiro na própria cabeça. Cho era descrito pelos colegas como uma pessoa quieta e algo anti-social. Tinha sido diagnosticado, previamente, com vários problemas de ansiedade, uma profunda depressão e mutismo seletivo – perturbações que contribuíram, muito provavelmente, para a realização do referido ato.

Já o tiroteio ocorrido em 2012 na Sandy Hook Elementary School – que foi particularmente chocante, não só pelo seu elevado número de vítimas mortais mas também por estas, na sua maioria, serem crianças – foi perpetrado por Adam Lanza, um jovem de 20 anos que teria fácil acesso a armamento pelo facto da sua mãe Nancy, uma das também vítimas mortais do tiroteio, apresentar um grande entusiasmo em relação às armas e ao tiro. Adam era um ex-aluno de Sandy Hook e tinha gravíssimos problemas de ansiedade e de socialização, transtorno obsessivo compulsivo, disfunção de integração sensorial e síndrome de Asperger. As suas várias e intensas perturbações mentais, juntamente com o suposto “culto das armas” que a mãe incutia nele e no seu irmão, terão sido os principais fatores que levaram Adam a cometer este violento crime e a suicidar-se de imediato.

Por sua vez, falando de um caso mais recente, o tiroteio de Stoneman Douglas High School ocorreu em 2018 e teve como principal suspeito Nikolas Cruz. Nikolas, para além de ter perdido a sua mãe adotiva no ano anterior e o pai adotivo em 2004, sofreria de problemas de raiva, hiperatividade, depressão e autismo. As suas redes sociais eram, aparentemente, muito perturbadoras, apresentando várias publicações onde expunha auto-mutilação, ameaças de morte, várias fotografias de armas (brancas e de fogo) e desejos de comprar uma arma e de se tornar “school shooter profissional”.

Estes casos, apesar de terem sido os mais fatais, são uma amostra altamente reduzida daquilo que é o universo dos school shootings. Porém, podemos verificar que os três convergem para dois elementos essenciais: perturbações do foro psíquico e isolamento social. Elementos estes que se aplicarão à generalidade dos school shootings – o que é, mais ou menos, algo de senso comum visto que, em princípio, ninguém na sua perfeita saúde mental entra numa escola ou numa universidade com uma arma de fogo e começa a disparar em todas as direções. Infelizmente, estes problemas são ainda mais difíceis e complicados de resolver do que a questão das armas e podem atingir qualquer indivíduo. Não podem ser regulados por lei, as suas causas dependem de inúmeros fatores e as suas consequências podem ser muito diversas.

Alunos a serem retirados em segurança da Marjory Stoneman Douglas High School após o tiroteio – Fevereiro 2018

Breve entrevista a uma adolescente norte-americana
Para completar a minha investigação, decidi entrevistar Sophie, uma jovem americana, a fim de tentar compreender o modo como os adolescentes e estudantes americanos se sentem em relação a este assunto.

Quando questionada acerca do facto de ter ou não medo quando vai para a escola, Sophie respondeu “Sinto-me segura porque a minha escola tem um ótimo sistema de segurança. Devido a todos os school shootings que têm acontecido no meu país, decidiu melhorar os seus serviços de apoio à saúde mental e contratou vários conselheiros. No entanto, conheço pessoas que têm medo de ir às aulas por causa da falta de segurança. Nem todas as escolas nos EUA tomam tantas medidas de precaução como a minha, para além de não gastarem nem tempo nem dinheiro para assegurar a segurança dos estudantes”.

Na opinião de Sophie, a maior causa dos school shootings prende-se exatamente com a questão acima mencionada – o facto de muitas escolas não terem acesso a determinados serviços de apoio, o que, a seu ver, faz com que os estudantes sintam que não têm ninguém a quem recorrer e, em casos extremos, a atingir um ponto tão elevado de instabilidade mental que os leva a cometer os ditos atos.

Sophie não conhece pessoalmente ninguém que tenha sido vítima de um school shooting mas, de vez em quando, ouve nas notícias entrevistas a jovens que o foram. Nota que estes estão imensamente assustados e que têm memórias bastante vívidas daquilo que aconteceu.

Sophie pensa que a melhor solução para prevenir os tiroteios nas escolas passa pelo controle de armas e pela regulação da venda das mesmas, com inspeções obrigatórias. Menciona também, mais uma vez, que as escolas têm de levar mais a sério a questão da saúde mental, visto que muitas delas a negligenciam completamente.

Após toda esta investigação é possível que as duas principais causas dos school shootings nos EUA são os vários problemas mentais associados aos seus autores, bem como a exclusão social dos mesmos e a banalização do porte de armas pela população americana. Infelizmente, o atual presidente em exercício não parece estar muito preocupado em resolver nenhuma destas situações.

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do Desacordo ou dos seus afiliados.

Escrito por: Beatriz Gouveia Santos

Editado por: Magda Farinho

 

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