Protestos na Geórgia: Compreender o Cáucaso

Uma simples pesquisa por Geórgia online e aparecem logo como questões mais pesquisadas no Google: “Is Georgia controlled by Russia?”, “Is Georgia separate from Russia?”, “When did Georgia become part of Russia?”. Estas dúvidas não devem surpreender ninguém. A verdade é que, assim como muitas outras regiões, esta carece de cobertura por parte dos meios de comunicação social ocidentais. Embora os protestos que têm havido na capital da Geórgia já estejam escarrapachados na Wikipédia, é difícil encontrar informação em detalhe que não na própria língua do país ou em russo – que, reparem, é diferente.

Para situar os leitores, a Geórgia é um país cuja capital é Tbilisi, a língua oficial é o georgiano, a moeda é o Lari (GEL) – aproximadamente três vezes mais fraca que o Euro – e conta com um total de cerca de 3,72 milhões de habitantes. Além da Rússia faz ainda fronteira com o Azerbaijão, a Arménia e a Turquia. É impossível explicar-vos a razão de tanta polémica sem fazer um contexto. Ora, não querendo massacrar ninguém, a Geórgia foi fundada em 1008 – não esquecendo, claro está, os séculos de história para trás. Todavia, as questões que apresentei logo no início do artigo podem ser justificadas pelo facto da Geórgia e da Rússia andarem em conflito todos estes anos.

Mencionemos, primeiramente, que a Geórgia pertenceu durante mais de um século ao Império Russo (no século XIX). Foi só em 1918, após a Revolução Russa, que reconquistou a sua independência e estabeleceu a República Democrática da Geórgia. Contudo, foi sol de pouca dura, já que apenas três anos depois voltaram a ser atacados pelo Exército Vermelho, que instalou um governo comunista leal a Moscovo, incorporando, assim, a Geórgia à União Soviética. Finalmente, em abril de 1991, pouco antes do colapso da URSS, a Geórgia declarou a sua independência. Mas, não parou aqui.

Em 2008 as tensões entre estes dois países culminaram numa guerra pela disputa dos territórios da Ossétia do Sul e da Abecásia, regiões separatistas da Geórgia apoiadas pela Rússia. O resultado foi a expulsão de cerca de 120 mil pessoas das suas casas, 800 mortos e a criação de fronteiras extremamente frágeis. Tantos anos depois e este conflito ainda está bem presente nas vidas das pessoas que vivem entre estas fronteiras. Por um lado, temos a Rússia a avançar sobre o território georgiano durante a noite, usando os moradores de aspiração separatista e a patrulha fronteiriça russa. Por outro lado, temos a restante população a protestar contra Putin e a fincar pé naquilo a que eles chamam o seu país natal.

 

 

A fronteira, por Andrew North, para o The Guardian. “Adormeci na Geórgia e acordei na Ossétia do Sul”. A fronteira avança durante a noite sobre território georgiano. Dato Vanishvili “já não consegue visitar as suas filhas”

 

A 20 de Junho de 2019, tiveram início os primeiros protestos em frente ao Parlamento da Geórgia, depois de Sergei Gavrilov, membro do Partido Comunista da Federação Russa, deputado na Duma, durante uma visita, ter-se sentado numa cadeira reservada ao Presidente do Parlamento e ter dirigido o seu discurso ao Parlamento em russo. Tal foi visto como um ato imperialista por parte da Rússia. Estes protestos tornaram-se violentos, acabando com a polícia a responder com balas de borracha e gás lacrimogénio, ferindo muitos protestantes. De modo a apaziguar estes últimos, o partido de centro-esquerda Sonho Georgiano comprometeu-se a reformar o Governo com promessas de aumentar a transparência no poder político e alterar o sistema eleitoral antes das eleições de 2020, para uma maior representatividade.

 

 

 

 

Fotos dos protestos de Junho em Tbilisi, por Irakli Khekhelashvili

 

A 18 de Novembro, os protestantes reuniram-se, mais uma vez, após a reforma prometida não ter sido realizada. Desta vez, a polícia respondeu com canhões de água, resultando num total de 6 feridos. Estes protestos estão de pé até hoje.

No entanto, quanto mais pesquisava este conflito mais me confundia em relação a quem era o “bom” e quem era o “mau”. Se há coisa que se aprende a estudar História é que não há heróis nem vilões. Isto para dizer que, comecei a questionar porquê o espírito separatista da Ossétia do Sul. Não seria uma “outra” Catalunha? Para tentar perceber melhor este aspeto, e pela falta de informação disponibilizada, decidi entrevistar um nacional da Geórgia.

Após lhe ter interrogado se a Ossétia do Sul e se a Abecásia aspiravam, na sua maioria, a sua independência e se não seria a Geórgia a injusta, Irakli, 20 anos, respondeu logo com um “é complicado”. A (chamada) “Ossétia do Sul”, dizia ele. Não foi difícil perceber a falta de reconhecimento dado a esta região por parte do mesmo. Segundo Irakli, o território que se auto intitula Ossétia do Sul, reconhecido atualmente só por cinco países, sendo um deles a Rússia, era originalmente georgiano. Os ossetas viviam acima da Cordilheira do Cáucaso. Foi durante a expansão da União Soviética que a população se começou a refugiar noutros territórios. A abertura do Túnel de Roki, em 1984, potenciou esta mobilidade, facilitando atravessar as montanhas e chegar à Geórgia, passando a ser uma porta entre esta e a Rússia.

 

 

 

Então se os ossetas fugiram, inicialmente, da União Soviética e exigem a sua independência, porque procuram apoio no Governo de Vladimir Putin? Seria uma situação “win-win”, aponta Irakli, a Rússia teria outro país debaixo da sua influência e a Ossétia do Sul seria na mesma uma região autónoma. Mas se for para se juntarem à Federação Russa porque não regressar à, agora, Ossétia “do Norte”? Porque os ossetas que se refugiaram em Tskhivali – o nome, digamos, original daquele território – aí permaneceram, tornando a cidade a sua casa e constituindo famílias. Ora, para os aqui nascidos e criados é só do interesse deles reclamarem aquele pedaço de terra que consideram seu.

Porém, faltava a Abecásia. Depois de uma insistência minha lá consegui arrancar “a Geórgia também não é um anjo”. Pois, ao contrário da Ossétia, os abecásios já viviam no território em causa, chegando a ter sido um reino independente entre 786 e 1008. Atualmente, o governo georgiano, que reivindica a Abecásia como uma região autónoma, não tem controlo efetivo sobre o território, desde o massacre e expulsão em massa de milhares de georgianos da região.

A conclusão a que todos podemos chegar é que não há um único lado aqui que esteja ilibado e, com a solução longe de vista, o Cáucaso tem um longo caminho pela frente.

 

Escrito por: Júlia Varela

Fotografias de: Andrew North, The Guardian (fronteira) e Irakli Khekhelashvili (protestos)

 

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