A rubrica Perguntar Não Ofende está de volta e em grande… quer dizer, em 163 centímetros algarvios.
O mundo da internet conhece-o como Môce dum Cabréste, mas nasceu Dário Guerreiro, em Portimão. O nome do canal do YouTube, que chegou recentemente aos 100 mil subscritores e lhe abriu as portas para a stand-up comedy, vem duma expressão algarvia que significa “criança traquina”.
O desacordo sentou-se com ele num bar, horas antes da sua estreia no The Famous Fest, para conversar sobre tudo: desde o cio da sua gata, Odete, ao futuro do Pokémon GO; do YouTube à televisão.
Inês Paulos (IP)- Boa tarde, Dário. Antes de mais, como está a Odete?
Dário Guerreiro (DG) – Bom, da última vez que a vi já tinha parado com o cio. E é muito fixe quando ela está com o cio. Porque a Odete, regra geral, é uma p***. Quando ela está com o cio, está mais carente e aproxima-se de nós com outro tipo de meiguice e carinho… Aponta o cu para nós na esperança que espetemos qualquer coisa lá dentro. Coitada, também não sabe melhor. Mas entretanto já acabou. Aquilo foi três, quatro dias, e agora já está p*** outra vez.
IP – Então e tu? Estás nervoso para atuar no LX Factory (onde foi o The Famous Fest)?
DG – Estou um bocadinho, mas ainda não estou demasiado. Ainda estou fixe. Normalmente, a ansiedade e o nervosismo costuma acontecer meia hora antes de subir ao palco. Por isso, ainda estou bem.
IP – E é nessa meia hora que vais à casa de banho? (o único ritual que o Môce tem, antes de atuar, é esse… ir à casa de banho)
DG – Ahhh, sim. Sim, normalmente é sempre nessa meia hora que costumo aliviar a situação. É uma meia hora de reflexão, de introspeção.
IP – Em que decides o que vais fazer em palco ou isso já está decidido?
DG – Normalmente, costumo ter decidido antes. Primeiro decido o que vou falar, decido o que vou dizer em função de quanto tempo é que tenho e hoje só vou ter entre 8 a 15 minutos para fazer a minha cena. Não é muito tempo, porque são muitos artistas. Depois de saber o que vou dizer já estou um ‘cadinho mais relaxado, já assimilei o que vou fazer e aí já consigo estar mais descansado na casa de banho.
IP – É a primeira vez que vais atuar no The Famous Fest?
DG – Sim, sim… É a primeira vez.
IP – É um grande festival…
DG – É. Tem alguma tradição, era assim o festival de humor que me estava a faltar. Era o único que ainda não tinha feito e que agora já posso riscar.
IP – Agora já está. E já está tudo feito? Ou ainda há algo por fazer?
DG – Em termos de festivais de humor em Portugal, já não há muito mais. A não ser que apareça algum novo, estamos sempre sujeitos a essa situação. E é sempre bem-vindo! Noutro sítio, para não serem todos em Lisboa. Antes havia o VillaRi-te [aconteceu no Teatro Villaret de 2013 a 2015], que entretanto já não existe. Temos o The Famous Fest, que tem um conceito diferente. Lá em baixo temos o SolRir, entre outros…
IP – Nessa vida do humor, que espero que não acabe, tu entraste a 100% ou tens um plano B para o caso de começar a falhar?
DG – Eu espero que não falhe, por isso não tenho nenhum plano B, pelo menos para já. Mas, lá está, como tenho origens de muito trabalho não me assusta ter que fazer outra coisa que não seja isto. No entanto, se calhar ia abraçar essa outra profissão de uma maneira menos entusiasta. Possivelmente iria ficar sempre aquele ressabiamento, aquele amargo de boca de “o que podia ter feito?”, “o que podia ter sido?”, “o que podia ter acontecido?”. Mas a mim não me assusta ter de fazer outra coisa: já fiz muitas coisas na vida antes de fazer comédia, a comédia foi um acidente. Já trabalhei na Bershka, já trabalhei numa imobiliária, num restaurante, tirei um curso de cozinha… Sei fazer montes de coisas, mas não gosto tanto de fazê-las como gosto de fazer isto.
IP – Muito bem. E diz-me uma coisa: o teu público é jovem, tu sentes alguma pressão por estares, de certa maneira, a moldar as suas mentes ou a influenciar as suas opiniões?
DG – É jovem, mas não demasiado. O meu público não é jovem do tipo 13/14 anos, é jovem do tipo dos 18 até aos 35 anos. E eu sinto que não tenho essa responsabilidade, e se tiver é uma espécie de dano colateral. Não é propriamente algo intencional. O que eu, quanto muito, gostava era de acutilar um certo pensamento crítico nas pessoas, para que tenham ferramentas para pensarem por elas próprias e tirarem as suas próprias conclusões com base nas suas próprias vivências, é isso que eu tento fomentar. E acho que nenhuma figura pública devia ter essa responsabilidade [de ser formador de opinião], porque, lá está, quem são elas para decidir o que se deve ou não pensar, ou achar de determinada coisa? Agora, podemos é ter as capacidades necessárias para saber se essa figura pública tem ou não razão, mas isso já deve partir de cada um de nós.
IP – Então, e em que nível do Pokémon GO já estás?
DG – Olha, desinstalei o jogo! Fiquei para aí no nível 11 porque entretanto comecei a aperceber-me que existiam muitas pessoas, demasiadas, a usar e a jogar o jogo da forma errada. Pessoas que instalam emuladores e jogam em casa com fake GPS e acho que é uma injustiça para com as que, efectivamente, saem à rua e andam quilómetros ao sol à procura de pokémons. É a mesma coisa que agora irmos jogar uma partida de futebol, mas tu apresentas 40 jogadores e eu só posso apresentar 11. Fica esquisito. Não dá, e é capaz de ser pouco justo.
IP – Achas que a moda do Pokémon GO vai passar?
DG – Para mim, passou. E ter desinstalado o jogo foi uma espécie de alívio. Porque, eu não sei se já jogaste, se jogas, ou se conheces… (assenti que sim, que jogava) então, sentes aquela cena de “epá, hoje não joguei, o mundo inteiro está todo a passar-me à frente”. E a partir do momento em que tu desinstalas o jogo, libertas-te disso. Sim, o mundo inteiro está todo a passar-me à frente. E então?
IP – A tua paixão nos vídeos é bastante perceptível, dá para perceber que tu gostas realmente do que estás a fazer, entusiasmas-te bastante! Assim, nunca tiveste um percalço maior? Ficar sem ar ou algo mais grave, como… sei lá… cair da cadeira?
DG – O cair da cadeira nunca me aconteceu, mas isso de me faltar o ar, sim. Às vezes não consigo dizer as frases todas que tenho planeadas num só fôlego. Mas no take a seguir as coisas já correm melhor. Aquilo que as pessoas vêem nos vídeos é fruto de trabalho. Cada vídeo tem cinco minutos, mas eu estive uma hora a gravar. E antes de estar uma hora a gravar passei uma semana inteira a escrever o guião e a talhar mais ou menos o que ia dizer. O que está ali não é obra do acaso ou do improviso. Mas, sim, às vezes acontecem essas cenas de faltar o fôlego.
IP – Já te perguntaram isto mil vezes, mas vou tentar uma abordagem diferente. Tens o YouTube e a stand-up à beira de um abismo. Só podes salvar um, qual é que escolhes salvar?
DG – Por uma questão de sobrevivência, a stand-up. Gosto muito de fazer YouTube e não me imagino a deixar de fazer vídeos para a internet, mas a stand-up é o que me paga as contas. E são duas coisas completamente diferentes, mas que se completam uma à outra. Na stand-uptemos a cena muito fixe de termos a reação imediata do público. Nos vídeos, não. Tu escreves, gravas, editas, fazes upload e esperas que alguém goste, mas a reação das pessoas, muitas vezes, só surge dias depois, quando elas estiverem a ver, porque nem todos vêem ao mesmo tempo. Por isso, ya. Por uma questão de sobrevivência financeira, salvaria a stand-up.
IP – Mas concordas que o YouTube em Portugal está a crescer?
DG – Sim, sim, e cada vez mais. Há cada vez mais pessoas a ver, a usar. Não só o YouTube, mas tudo o que diz respeito à internet. Temos a Netflix, por exemplo. Essa diáspora já começou há algum tempo e cada vez mais vai continuar a ser assim. Porque, vamos lá a ver, a malta que [ainda] vê televisão vai morrendo e só vão ficando os outros. Eu não sei quanto a ti, mas eu há muito tempo que não vejo televisão. Todo o nosso entretenimento é baseado naquele computadorzinho que a gente tem, onde selecionamos o que queremos ver e gerimos o nosso tempo em função disso, e a tendência é para aumentar. Aliás, muitos canais de YouTube em Portugal têm mais audiência do que alguns canais da cabo.
IP – Então acreditas que daqui a uns anos vai ser possível em Portugal aquilo que já é possível lá fora, os youtubers viverem do YouTube?
DG – Não, não. Porque temos um mercado pequenino. Porque lá fora, o que a gente vê, é o mercado anglo-saxónico, e metade do mundo fala inglês, ou mais de metade. E tu tens, assim de repente, Inglaterra, Estados Unidos da América, Austrália, uma porrada de países em África, montes e montes de países, milhões e milhões de pessoas que falam inglês e percebem-no de continente para continente. Não é um obstáculo um estado-unidense perceber o sotaque britânico. Em Portugal, apesar de termos muitos falantes de português [no mundo], dificilmente conseguiremos penetrar no mercado brasileiro ou dos PALOPs, o que faz com que o nosso mercado se resuma a estes 10 milhões que aqui estão. Nesse ponto de vista existe sempre uma baliza de crescimento que tu podes ter. A menos que haja um milagre de um momento para o outro e os brasileiros, por exemplo, comecem a importar aquilo que é nosso, mas eu duvido que isso aconteça, porque eles próprios também já têm muita oferta e essa cena de conheceres um sotaque novo e te habituares leva algum tempo e os brasileiros não estão dispostos a isso.
IP – Estamos mesmo a chegar ao fim, e só tenho mais duas perguntas. Todas as outras entrevistas terminaram com esta: que pergunta nunca te fizeram?
DG – (pausa) Queres fo***? Nunca me perguntaram, nunca! Tive de ser sempre eu a tomar a iniciativa.
IP – E a pergunta mais estranha?
DG – Ouve lá, tu és o Môce dum Cabréste? Eu considero isto de uma estranheza absoluta, porque se não tens a certeza… Tu não vais perguntar isso a um estranho! Acho eu, não sei. Para mim, é super estranho.
IP – Realmente… pronto, eu terminei. Obrigada.
DG – Ora essa.