Guardiões da Galáxia: Volume 3, o último volume da trilogia de James Gunn chegou aos cinemas a 4 de maio e marca a despedida do diretor da Marvel Studios, antes de assumir a liderança criativa da rival DC Studios. Possivelmente um dos títulos mais aguardados pelos fãs do género de super-heróis, este volume retrata a dinâmica do inusitado grupo de personagens numa aventura que promete mudar o futuro da equipa para sempre.

Nesta magnífica conclusão, a família dos Guardiões, após sofrer um inesperado ataque, parte numa demanda cósmica para salvar a vida de Rocket (Bradley Cooper), que é assumidamente o protagonista da trama, enquanto Peter Quill aka o lendário Star-Lord (Chris Pratt) tenta reatar a sua relação com Gamora (Zoe Saldana), que é na verdade uma versão alternativa oriunda de um passado no qual nunca chegou a conhecer e a integrar a equipa, e todos lidam com a ameaça do antagonista Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji), um dos mais cruéis vilões que a Marvel já apresentou nas telas e um fantasma do passado de Rocket. Os riscos são altos, e o fracasso pode significar a perda de mais de uma vida e o fim dos Guardiões da Galáxia.
Desde a sua estreia nos cinemas em 2014 que os filmes dos Guardiões, a “joia da coroa” da carreira cinematográfica de James Gunn, têm como âmago as personagens. É um facto curioso, porque os mesmos só conheceram a popularidade e o amor dos fãs depois do trabalho de Gunn. Toda a construção de mundo (ou universo) e desenvolvimento de personagens atinge o seu ápice neste último volume. É outro facto curioso, pois foi esta a película em que Gunn recebeu mais liberdade criativa, uma vez que o mesmo se encarregou de forma total, não só da direção, como do próprio argumento, sem a intervenção de nenhum outro guionista. Tudo isto contribui para que todos os pontos fortes dos anteriores volumes da trilogia se potencializem ao máximo neste último, entregando, sem sombra de dúvidas, o melhor projeto da Marvel Studios desde Homem-Aranha: Sem Volta a Casa, distanciando-se notoriamente em todos os aspetos da esmagadora maioria dos projetos da era pós Vingadores: Endgame.
O argumento é excecionalmente bem escrito, conseguindo a proeza de conceder um arco dramático individual a cada personagem, tanto as previamente estabelecidas como as novas adições (todas elas bastante carismáticas), conciliar a comédia, a aventura, a ação e a mais sincera emoção de forma primorosa e concluir a história desta família com toda a dignidade. A direção é igualmente competente, destacando-se o take longo da cena de ação no corredor da nave do vilão que tem lugar no terceiro ato. Os efeitos visuais correspondem, finalmente, ao mais alto nível de qualidade dos dispendiosos blockbusters e, em conjunto com a maquilhagem, o figurino, os cenários e todo o design de produção, proporcionam ao espetador uma experiência cinematográfica cósmica imersiva, literalmente, de outro mundo (ou mundos, no caso).

A personagem de Rocket é o principal fator de destaque do filme. Já tinham sido dadas aos espetadores algumas pistas muito subtis sobre o seu trágico passado e aqui, o mesmo é explorado de forma completa e é o elemento catalisador da própria trama. O investimento emocional dos espetadores em Rocket nunca antes foi tão grande e o mesmo passa de personagem secundário a elemento central da narrativa, proporcionando à audiência as habituais risadas, desta vez acompanhadas com algumas lágrimas à medida que a sua origem é revelada em sequências de flashbacks de partir o coração.
Peter Quill/Star-Lord encontra-se num ponto baixo da sua existência. O homem perdeu o amor da sua vida e teve a sua quota parte de responsabilidade pela dizimação de metade da vida do universo, como o mesmo faz questão de admitir numa das cenas. Perdido na bebida, vê-se obrigado a retomar as rédeas da sua vida para poder salvar a do melhor amigo, ou segundo melhor amigo, nas palavras de Drax (Dave Bautista). Repleto de inseguranças em relação a si mesmo, mas ao mesmo tempo, fervorosa determinação e o habitual charme, o líder dos Guardiões consegue oferecer à audiência uma equilibrada amálgama de momentos épicos, engraçados e dramáticos, enquanto interage com a sua família e se agarra a um sentimento dirigido a uma pessoa que o mesmo não consegue aceitar que perdeu.
Gamora não é a mesma personagem que conhecemos nos dois primeiros volumes. Começa o filme como uma versão mais bruta, fria, emocionalmente distante e agressiva daquela que Star-Lord amou e continua a amar. Uma mulher de negócios, que nunca sentiu que alguém a amasse de verdade e o sentimento de pertença, união e disposição ao sacrifício que os Guardiões mostraram à sua versão alternativa. Devido às circunstâncias, começa por ser obrigada a trabalhar com eles e, aquando do desenrolar do plot, acaba por se integrar e envolver com os dramas da equipa.
Drax é o habitual alívio cómico, mesmo o filme já sendo, parcialmente, de comédia. A interpretação de Dave Bautista é genial, pois consegue, mais uma vez, incorporar na personagem o ridículo, o nobre e o destruidor, atribuindo-lhe um charme único que o diferencia muito de todas as outras personagens, não só dos Guardiões, como da Marvel no geral. O mesmo se pode dizer de Groot (Vin Diesel), sempre amigável e adorável, sendo notório o seu amadurecimento, tanto físico como psicológico, ainda que as suas palavras continuem a ser sempre “I am Groot”.
Mantis (Pom Klementieff), introduzida no segundo volume, tem uma evolução surpreendente, sendo muitas vezes o elemento de união do grupo devido à sua capacidade de empatia e perspicácia em relação aos sentimentos dos outros. Nebula é mais uma vez brilhantemente interpretada por Karen Gillan e consolida-se como uma das personagens mais bem escritas da história da Marvel nas grandes telas, atingindo aqui um ponto de evolução merecido e muito satisfatório de testemunhar, resultado de uma vida de dor e sofrimento que, com o passar dos filmes, lhe proporcionou encontrar a redenção, um lugar nos corações dos seus companheiros e dos fãs e no hall de heróis da saga.
Kraglin (Sean Gunn) e Cosmo (Maria Bakalova) oferecem uma dinâmica querida e, apesar de não terem tanto destaque, possuem ambos a sua importância narrativa. Adam Warlock (Will Poulter), a aguardada novidade, entra em cena (quase) a matar e ganha a simpatia do público com o seu imenso poder e imponência, a sua inocência infantil e o seu dilema moral. Uma adenda valorosa à galeria de personagens da Marvel nos cinemas.
O vilão, o Alto Evolucionário traz à trama um tom sombrio e ameaçador que Kang, o Conquistador, deveria ter trazido em Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania. Completamente execrável, de uma crueldade psicopata, uma prepotência assustadora e um sadismo mascarado de propósito existencial, o antagonista extremamente carismático e bem atuado revela-se o melhor desde o Duende Verde de William Dafoe em Homem-Aranha: Sem Volta a Casa e, quiçá, o melhor da trilogia dos Guardiões da Galáxia. Deixa a sua marca de forma muito vincada, muito devido à sua conexão emocional forte com Rocket e é diretamente responsável por algumas das cenas mais emocionantes do filme. É aquele típico vilão que a audiência ama odiar. Será, certamente, um prazer rever a personagem numa obra futura.

Em suma, Guardiões da Galáxia: Volume 3 é uma lufada de ar fresco para os fãs do género de super-heróis e acende uma fagulha de esperança em relação à qualidade de futuros projetos. É um filme longo, mas que passa num instante, com uma trama envolvente, emoções à flor da pele, personagens memoráveis e emocionalmente complexas, ótimos diálogos e cenas de ação, e comédia no mais puro estilo Guardiões, com piadas muitas delas criativas e realmente divertidas, e outras que nem sempre aterram tão bem, ainda que não comprometam de todo a experiência. É, no fundo, um projeto com todas as marcas de autor facilmente associáveis a James Gunn, que se esmerou no seu trabalho e concluiu o seu legado na Marvel Studios da melhor forma possível.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: João Guerreiro
Editado por: Diana Rebelo Trigueiro