O autismo por um autista

A Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), ao contrário do que muitos acreditam, não é uma doença: é um espectro de neurodiversidade, ou seja, o cérebro funciona de forma distinta. Embora todas as pessoas com autismo partilhem determinados desafios, cada uma sente-os de maneira diferente. No mês da consciencialização do Autismo, fomos conhecer a história do Samuel. 

Estima-se que cerca de 1% de todas as pessoas do mundo têm autismo. Em Portugal, enquanto que há 15 anos estimava-se que 0,09% da população apresentava sinais de autismo, agora alcança-se os 0,5%, num total de cerca de 50 mil pessoas.

Fonte: Rafaela Maceari

Diagnóstico

Embora seja possível detetar sinais de autismo em bebés de 6 a 18 meses, um sinal precoce não significa que uma criança receberá um diagnóstico, significa apenas que é necessário um serviço de apoio específico o mais cedo possível. Por exemplo, se um bebé se fixa em objetos ou não responde às pessoas pode estar a exibir sinais precoces de uma perturbação do espectro autista. Bebés e crianças mais velhas podem não responder aos seus nomes, evitar contato visual ou movimentos repetitivos, como balançar os braços. Podem também brincar com brinquedos de maneiras incomuns.

Tipos de diagnóstico

Anteriormente, dentro do espectro do Autismo existiam diferentes diagnósticos: Autismo, Perturbação do espectro do autismo,  Autismo clássico, Pervasive Developmental Disorder, Autismo de alto funcionamento e Síndrome de Asperger.

Atualmente, devido às mudanças recentemente efetuadas na terminologia o conceito utilizado é Perturbação do espectro do autismo (PEA) e este pode ser especificado consoante o nível de suporte necessário (1, 2 ou 3).

No nível 1 (autismo leve), os sintomas são pouco notados e a pessoa consegue ser praticamente independente. Ainda assim é necessário algum apoio para que a pessoa consiga relacionar-se bem e desenvolver suas habilidades. Já no nível 2 (autismo moderado), os sintomas tendem a ser percebidos mais facilmente. Atividades como realizar as tarefas diárias ou relacionar-se com outras pessoas são afetadas, havendo necessidade de apoio para lidar com as dificuldades. A pessoa pode conseguir falar apenas frases simples e sobre temas de interesse próprio, por exemplo. No nível 3 (autismo grave), a pessoa tem grande dificuldade para interagir com outras, podendo não ser capaz de dizer frases ou mesmo palavras de forma compreensível, por exemplo. Neste caso, a pessoa geralmente necessita de apoio constante de familiares e profissionais nos seus cuidados. 

Causas

A causa do autismo ainda está a ser investigada. A investigação sobre as causas sugere que pode existir uma combinação de fatores genéticos e ambientais que podem ser responsáveis pelas diferenças de desenvolvimento. 

Há algum tempo atrás, acreditava-se que era proveniente de problemas de interação da criança com a mãe na infância. Contudo, é importante realçar que o autismo não é causado pela educação ou pelas circunstâncias sociais. Os pais não têm qualquer responsabilidade no autismo dos seus filhos: é uma condição que pode surgir em qualquer criança sem quaisquer antecedentes familiares.

Características

Relembrando que a PEA afeta cada pessoa de forma diferente e que nem todos têm as mesmas características, aqui fica uma lista das mais habituais:

  • Excesso ou falta de sensibilidade a sons, ao toque, ao paladar, a cheiros, luz, cores, temperaturas ou dor.
  • Ter dificuldade em “ler” outras pessoas, isto é, reconhecer ou compreender sentimentos e intenções dos outros, assim como expressar as suas próprias emoções.
  • Hiper focos, isto é, interesses intensos e altamente focados, que podem referir-se a qualquer coisa, desde arte ou música, computadores ou aviões.
  • Dificuldades para interpretar linguagem verbal e não verbal, como gestos, expressões faciais, tom de voz, piadas e sarcasmos.
  • Dificuldade em entender as expectativas dos outros durante as conversas, e, consequentemente, acabar por repetir o que a outra pessoa disse ou por falar exaustivamente sobre os seus interesses.
  • Desconforto com mudanças, que conduz à preferência por uma rotina diária
  • Comportamentos repetitivos, como abanar as mãos, balancear-se, fazer determinado som, mexer em determinado objeto.
A seletividade alimentar, uma das possíveis características do TEA (Fonte: Sara Rocha).

Existe uma cura?

Não há uma “cura” para o autismo. No entanto, há uma série de abordagens que facilitam a aprendizagem e o desenvolvimento e que os pais, profissionais e cuidadores podem encontrar para ajudar no desenvolvimento da pessoa com autismo, diminuindo as suas dificuldades e promovendo o seu potencial e inclusão.

A história do Samuel

O Samuel é um rapaz de 19 anos e está no seu primeiro ano da licenciatura em Direito na FDUL. Nasceu no Brasil e veio para Portugal aos 15 anos de idade. Embora tenha tido o diagnóstico de Síndrome de Asperger (aqui, a alteração nos diagnósticos não se encontrava ainda em vigor) por volta dos 2 anos de idade, sempre foi integrado em escolas com outras crianças neurotípicas. Desta forma, o Samuel poderá ser um alvo fácil de discriminação: embora homem numa sociedade ainda machista, é luso-brasileiro em solo português, onde, parecendo que não, ainda está presente o preconceito aos nossos “irmãos”. Além disso, possui uma condição que ainda não é entendida por muitos.

O Samuel com as suas amigas (Fonte: Marta Ricardo).

Felizmente, o Samuel nunca passou por situações de discriminação, pelo contrário, diz sentir-se bastante apoiado. Considera que a situação no Brasil é pior do que no nosso país: ambos permitem que as pessoas com autismo tenham os mesmos direitos que as pessoas com deficiência, no entanto, algumas leis são violadas. “Falta conscientização, tanto aqui, como no Brasil”, afirma.

No caso particular do Samuel, a parte cognitiva não é afetada, apenas a social: as suas dificuldades mais vincadas são entender a linguagem figurada e a linguagem não verbal. No entanto, o próprio afirma que o autismo é um espectro, logo, tal não se verifica em todos os casos. Portanto, por norma, e tendo em conta os termos de diagnóstico anteriores, pessoas com Síndrome de Asperger têm linguagem e inteligência preservadas. 

A parte sensorial e a mudança também não são obstáculos para o Samuel, mas a dificuldade na coordenação motora, por exemplo, já é mais marcante na sua pessoa. Um aspeto a considerar é que as dificuldades não são lineares: quando era mais novo, o Samuel, não gostava do som do liquidificador, mas tal já não acontece hoje em dia.

Os seus hiper focos são a história, a geografia e o google maps. Além disso, consegue dizer com facilidade e rapidez as capitais de inúmeros países.

Testemunhos dos pais do Samuel

Os pais do Samuel afirmam que este já foi alvo de discriminação por diversas vezes, abrangendo locais como escolas ditas inclusivas. A escolha de colocar o Samuel em escolas com crianças neurotípicas sempre foi óbvia para os pais: para além de permitir ao Samuel a evolução das suas capacidades sociais, as pessoas à sua volta adquirem mais capacidades em aceitar a diversidade

Referem ainda que os maiores desafios de ter ao cuidado uma pessoa com PEA, são perceber as demandas reais e as técnicas necessárias que estas implicam, assim como integridade emocional para lidar com os desafios sociais do filho.  “Ele transformou-me num ser humano mais capaz”, afirma a mãe. 

O Samuel com os pais e o irmão mais novo (Fonte: Izabel Moreira).

Outro desafio para os pais foi a entrada do Samuel para a faculdade, este novo ambiente, que exige uma capacidade acrescida de interação social e de perceber do outro: esta é uma das dificuldades consequentes do seu diagnóstico. 

Além disso, consideram que há falta de compreensão por parte das pessoas: estas são regidas por regras sociais (que o autista não consegue “cumprir”), e a desinformação sobre o tópico culmina em discriminação. Portanto, a sociedade precisa de se informar e reinventar-se de forma a incluir as pessoas com esta condição. Consideram também que há escassez de pessoas capacitadas, assim como estruturas de medicina e psicologia adequadas para auxiliar as pessoas com PEA. Ainda assim, as pessoas mostram-se disponíveis a ajudar mesmo sem a capacitação suficiente sobre o tema.

Concluindo, considerando toda a informação mencionada anteriormente, aqui ficam algumas sugestões para neurotípicos melhorarem a comunicação com neuroatípicos: evitar o contacto físico, falar de forma clara e direta e dar tempo para o outro processar a informação dita. 

Fonte: Bandeira Azul Autismo.

Escrito por: Marta Ricardo

Editado por: Renato Soares

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s