Dia 4 deste mês a associação Corações com Coroa presenteou o público com o evento “Somos tod@s mulheres do Mundo quando os direitos são violados” no Café Corações com Coroa, abordando temáticas como os direitos humanos e a importância da igualdade de género.

O evento iniciou-se com uma breve introdução por parte da presidente da CCC Catarina Furtado relativamente ao tema do mesmo.

Catarina Furtado a fazer a abertura do evento
A primeira convidada a partilhar as suas ideias foi a cantora e compositora Luísa Sobral, tendo abordado diversos assuntos relativos aos direitos das mulheres, nomeadamente, o machismo socialmente enraizado. A cantora também confessou ter uma vez recebido um comentário machista e ter considerado o número de mulheres portuguesas compositoras existentes na sua juventude muito reduzido, um número que aumentou desde atenção o que a animou, segundo conta.
Afirmou que as mulheres na arte tinham o poder de inspirar a geração seguinte e recomendou às mulheres seguirem os seus sonhos mesmo que estes fossem numa área tradicionalmente masculina.

Luísa Sobral
A segunda convidada a discursar foi a ativista iraniana Sanaz Zadegan.
A ativista contou considerar-se iraniana e portuguesa. A sua mãe contava ter vivido a sua «história ao contrário» e contava-lhe histórias sobre o Irão antes de 1979.
A ativista contou ser obrigada a usar o véu na sua escola, apesar de frequentar uma escola feminina onde todas as funcionárias eram mulheres, o irmão podia ser chamado para cumprir serviço militar, existiam tumultos no Irão e houve uma regressão nos direitos das mulheres. Todos estes aspetos levaram a sua família a emigrar e estabelecer-se em Portugal durante a sua infância. Vieram para Setúbal e ficaram a viver num quarto com duas camas individuais. Contou ter sofrido com a barreira linguística ter sido a certa altura vítima de bullying e sentido sinais de machismo, desde ouvir que a Informática (a sua área) era para rapazes até lhe ter sido negado um emprego pelo facto de ser mulher.
Admitiu inicialmente sentir-se dessensibilizada perante os acontecimentos no Irão. Recentemente tornou-se ativista após a recente revolta no Irão e dos iranianos fora do país.
Admitiu também não perceber motivo para os líderes homens proibirem as mulheres de ir à escola e contou não existir «nada na religião islâmica que dite esta proibição». Segundo a ativista, parte da solução passaria por boicotar a República Islâmica.
Criticou a postura da comunicação social estrangeira que, na sua opinião, espera muito tempo até noticiar as mortes e violações dos direitos humanos que acontecem no Irão mas contou ter sentido empatia por parte dos portugueses relativamente aos acontecimentos no Irão.

Sanaz Zadegan
A terceira convidada a receber a palavra foi Arianna Borelli, médica e ativista, fundadora da Organização Humans Before Borders (HuBB) e trabalha em Portugal com ONGs que dão apoio a migrantes.
Contou ter estado na Grécia em 2019 e visitado diversos campos de refugiados.
A ativista contou que as pessoas esperam nos campos, sobrelotados e com más condições de alimentação, higiene e segurança, especialmente para as mulheres que além das questões anteriormente referidas, são vítimas de violação, até receber o papel de estatuto de refugiado que pode demorar anos a chegar. Abordou também a temática da invisibilidade dos refugiados. Considerou que a Europa não cumpriu a solidariedade prometida e criticou o primeiro decreto do novo governo italiano contra as ONGs que fazem missões de resgate no mar. A seu ver, existia muita coisa certa no papel que não era implementada na prática. Apesar de considerar que Portugal em termos de leis apoia mais os imigrantes que a média europeia, contou ter experienciado que estes indivíduos tinham de enfrentar muitas barreiras burocráticas no acesso aos serviços. Outro aspeto que abordou foi a inexistência de mediadores linguístico-culturais e um número a seu ver insuficiente de intérpretes, não sendo deste modo possível combater devidamente a barreira linguística.

Arianna Borelli
O evento foi encerrado com uma atuação de Luísa Sobral.

Findo o evento, tive a sorte de poder entrevistar a presidente da CCC Catarina Furtado e as ativistas Sanaz Zadegan e Arianna Borelli.
Entrevista com Arianna Borelli
Que medidas acha que podem ser tomadas a nível nacional para incluir mais homens na discussão sobre estas temáticas como os direitos das mulheres?
Eu acho que tudo pode partir da educação das crianças de sexo masculino. Isso devia ser uma das principais medidas com certeza.
É preciso trazer de facto o debate de uma forma pública e pode haver várias formas. Pode ser através das artes como falamos hoje.
Vai ser muito difícil porque há milhares e milhares de anos que o patriarcado foi, é e será muito difícil desmontar-se – uma realidade que é a nossa realidade. Sinto que enquanto mulheres às vezes é mais fácil identificar estes aspetos porque somos vítimas das consequências.
Para um homem pode ser de alguma forma mais difícil lá chegar, mas acho que há muitos homens que lá já chegaram e por isso há uma esperança e é uma questão mesmo de educar as pessoas para se desmontar estas ideias dominantes do patriarcado.
Que medidas considera que podem ser tomadas a nível nacional para dar a mais voz aos refugiados, em particular às mulheres refugiadas que são quem mais sofre?
Há várias formas. Uma das primeiras coisas seria incluí-las em toda a sociedade, no processo de tomada de decisão e das medidas políticas e legais.
É preciso ouvir e consultá-las, porque elas são quem ainda está a viver estas situações. São vozes que muitas vezes não são ouvidas e temos decisões que são tomadas por outras pessoas que nunca passaram por aquelas experiências.
É preciso, por exemplo, facilitar o ingresso no mercado do trabalho, no espaço público, nas artes e dar representatividade a estas pessoas. Acho que é tudo uma questão de ouvi-las, dar-lhes importância e ir a conhecê-las enquanto pessoas que existem aqui e agora, com uma agência e com necessidades.
Entrevista com Sanaz Zadegan
Que medidas acha que podem ser tomadas a nível nacional para incluir mais homens na discussão sobre estas temáticas como os direitos das mulheres?
Acho que o ponto mais importante é que eles percebam que não conseguimos estar sozinhas na luta, somos metade de um todo. Portanto, sem o apoio e a ajuda deles, não conseguimos fazer aquilo que nós precisamos que basicamente não é nada mais nada menos que garantir a igualdade e uma vida digna para as mulheres.
Que medidas considera que podem ser tomadas a nível nacional para dar a mais voz aos refugiados, em particular às mulheres refugiadas que são quem mais sofre?
Acho que o melhor é trazê-las para a frente do público para que elas consigam contar a história delas por elas próprias. Só assim é que a empatia realmente vai existir porque haver reportagens sendo quase terceiros a contarem uma história tem um efeito completamente diferente do que quando são essas pessoas.
Os refugiados são pessoas e acho que quando o povo local e os refugiados e as pessoas estrangeiras comunicarem uns com os outros é quando vão perceber que são tão iguais e que têm exatamente os mesmos problemas, ficam felizes exatamente com as mesmas coisas e o que mais querem é ter uma vida feliz, digna e ver um futuro melhor para as suas crianças.
Entrevista com Catarina Furtado
Que medidas considera que podem ser tomadas para promover este tipo de iniciativas a nível nacional?
Este tipo de iniciativas, como esta que aconteceu agora, é tendo vontade e percebendo que nós somos um país humanista com valores humanistas e que já temos muitas leis que protegem. Leis sociais que até são bem pensadas e implementadas, mas depois na prática elas não têm uma concordância com aquilo que está no papel.
Acho que estas iniciativas existem exatamente para poder esclarecer que não se estão a aplicar estas políticas e estas medidas.
Portanto, quando temos aqui pessoas que são cidadãs normais, que trabalham nas áreas ou que são utentes e que vêm evidenciar que as coisas não estão a ser tal e qual como nós desejaríamos e que no caso concreto do que aquilo que falámos aqui que os direitos das mulheres não estão protegidos, eu acho que isso convoca-nos a fazer cada vez mais iniciativas e a vontade é fazê-las. É não deixar esquecer este assunto, não deixar esquecer que de facto estamos a assistir a retrocessos nos direitos das mulheres, quer nos países desenvolvidos, muito fruto dos populismos e dum regresso a um conservadorismo que abafa os direitos das mulheres, como também nos países em desenvolvimento onde estamos a assistir a coisas muito terríveis. E depois também em alguns países que tinham, de facto, uma política de liberdade relativamente às mulheres, mas depois há o extremismo, camuflado pela religião que não é a religião e não tem como causa a religião. Está-se então a retirar direitos às mulheres como é o caso do Irão ou do Afeganistão. Portanto, temos que falar sobre isto e não deixar esquecer.
Que medidas considera que podem ser tomadas para incluir mais homens na discussão relativamente à temática dos direitos das Mulheres e evitar retrocessos nestes direitos?
Não se conseguem evitar aqueles em que já retrocedemos. Temos de os recuperar. Pensarmos sempre na premissa de que os direitos humanos nunca estão garantidos e os direitos das mulheres muito menos, porque se metade da população é constituída por mulheres e as mulheres e as raparigas são de facto as maiores vítimas de todas as discriminações e formas de violência, então temos que partir do princípio que temos de chamar para a ação também os homens. E a minha perspetiva enquanto cidadão, enfim voluntária, ativista ao longo de vinte e dois anos enquanto embaixadora da boa vontade do fundo das Nações Unidas, mas também presidente e fundadora aqui da Corações com Coroa tem sido sempre uma atitude não bélica, não agressiva, não de julgamento, não de apontar o dedo, mas antes explicar e tentar explicar através da empatia como é ser mulher e porque é que o facto de ser mulher leva a pessoa a ser mais discriminada e mais vítima de violência e tentar convocá-los para que eles também sejam motores de mudança. Não há dúvidas nenhumas a violência doméstica é gritante em Portugal com muitas mortes e é sempre mais vítima a mulher.
E depois temos muitos casos de desigualdade salarial, enfim e outros países em que as mulheres não vão à escola, não é? Como o Irão que foi aqui há bocado falado. É terrível saber que as raparigas não podem ir à escola. Os homens têm que perceber que isso só tem uma conclusão e só tem um efeito que é o mundo não evoluir. Quando nós temos menos meninas instruídas e menos mulheres instruídas, vamos ter um mundo muito mais pobre, porque apoiar uma mulher é apoiar uma uma família, é apoiar uma comunidade, é apoiar um país.
Quais foram os principais desafios encontrados quando iniciou a Corações com Coroa?
Eu comecei a Corações com Coroa, fruto da minha experiência enquanto embaixadora de boa vontade do fundo das Nações Unidas para a população que tem muitas questões da desigualdade de género, mas com um foco muito particular nas questões da saúde, dos direitos sexuais e reprodutivos, as questões do planeamento familiar, da saúde materna, do empoderamento feminino, do potencial das jovens raparigas e depois também muito fruto dos trabalhos que faço com o documentarista de Os Príncipes do Nada, que nomeadamente naqueles que foram feitos em países em desenvolvimento deram-me uma noção muito clara da realidade e sobretudo das questões relacionadas com a desigualdade de género. E como percebi que havia muitas coisas que tinham mudado, efetivamente através de vontade política e projetos que, na prática, davam mais acesso e mais oportunidades às mulheres, acreditei que havia aí um espaço enorme para a tal evolução nos direitos das mulheres e, portanto, meti mãos à obra.
Tendo as pessoas certas ao meu lado, percebi que era necessário atuar nas questões de género aqui também em Portugal ainda com distâncias concretas, mas neste momento nós também somos uma organização não-governamental para o desenvolvimento, portanto temos também projetos fora de Portugal, nomeadamente na Guiné-Bissau.
Percebi que havia um espaço importante onde as mulheres e as raparigas podiam ter uma espécie de atenção, de acolhimento ou de colo diferenciado e são dez anos com trinta e quatro bolsas de estudo para raparigas universitárias, por exemplo.
Escrito por: Cristina Cargaleiro
Editado por: João Fonseca