O debate sobre a Eutanásia torna à espuma dos dias porque, aparentemente, ia ser votada a 30 novembro, após dois adiamentos – o primeiro a pedido do CHEGA, o segundo, pelo PS -, mas voltou a ser adiada por uma terceira vez a pedido do CHEGA com votos favoráveis de PS e PSD na Comissão de Assuntos Constitucionais.

Fonte: Expresso, 30 novembro 2022
A verdade é que a descriminalização da eutanásia é um tema fraturante. Defensores da mesma, ou morte medicamente assistida, advogam que se trata duma questão de liberdade, de autonomia, de poder decidir sobre a sua própria vida – o que inclui o momento da morte. Opositores consubstanciam o seu repertório de argumentos com o facto de a ortotanásia e distanásia já serem praticadas, que a eutanásia atenta contra a moral e ética preconizada pela Constituição da República Portuguesa, isto é, viola o artigo 24º, alínea 1, que concerne a inviolabilidade do direito à vida. Além disso, uma outra razão apresentada é que a resposta aos casos abrangidos pelo escopo do projeto lei da eutanásia deve ser recrudescer a qualidades dos cuidados paliativos, ou seja, fomentar a vida, não oferecer a morte. O debate assenta, visivelmente, numa base axiológica de raiz religiosa e/ou ético-moral, sendo, amiúde, requerido o parecer da Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida. Não é despiciendo salientar que o diploma já foi vetado duas vezes pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa.
O Presidente justificou o segundo veto pela existência de contradições, aliás, em comunicado apontou o seguinte “O decreto mantém, numa norma, a exigência de ‘doença fatal’ para a permissão de antecipação da morte, que vinha da primeira versão do diploma. Mas, alarga-a, numa outra norma, a ‘doença incurável’ mesmo se não fatal, e, noutra ainda, a ‘doença grave'”. Mais, o Presidente pediu, então, ponderar a alteração verificada entre a segunda e a primeira versão do diploma, que, segundo o próprio, corresponde a uma “mudança considerável de ponderação de valores vida e da livre autodeterminação, no contexto da sociedade portuguesa”. É relevante recordar que o Presidente enviou para o Tribunal Constitucional, no âmbito de fiscalização preventiva, a primeira versão do diploma, tendo sido chumbado, pelo que Marcelo Rebelo de Sousa acabou por vetar o diploma em março de 2021. Em novembro desse mesmo ano, o Presidente vetou o diploma pela segunda vez.

Fonte: Público, 30 novembro 2022
Contudo, o que cumpre este texto é erguer uma problematização. Não aborda o tema da eutanásia, mas sim os impasses em torno duma matéria legislativa que diz respeito a valores e que permeia a sociedade civil no que toca aos direitos, liberdades e garantias. Independentemente, de se ser favorável à alteração legislativa ou não, o mais preocupante são, como previamente mencionado, os impasses e a falta de capacidade deliberativa numa matéria deveras sensível e que promove uma clivagem social em torno desta questão. Parte dos que não querem ver a aprovação do diploma, tentam colocar obstáculos e eternizar um suposto debate na sociedade que nunca parece ser suficiente ou, de acordo com os próprios, sequer tido lugar. Igualmente existe quem, sendo favorável à aprovação, procura, de forma apressada, passar um rolo-compressor sobre questões ético-morais que preocupam e causam anseio no seio de setores mais conservadores da sociedade. Coloca-se a questão, não será tempo de perguntar diretamente à sociedade civil, aos portugueses, o que querem para a sua vida e, mais concretamente, para o seu último sopro? No entanto, esta decisão de referendar uma matéria desta estirpe, só de si já causa celeuma. Há quem defenda o referendo e há quem se oponha. Seria quase necessário um referendo para saber se devia haver um referendo à eutanásia.
Por último, e independentemente do futuro desta matéria, creio que todos podemos concordar em algo. Matérias sensíveis e fraturantes não podem ser legisladas de ânimo leve, sem conhecimento técnico, sem pareceres de entidades do domínio da ética e da moral, sem auscultar a sociedade civil – através dos representantes do povo (deputados) ou diretamente por referendo. Uma decisão tem de ser tomada cabalmente com critério, sob o risco de estarmos anualmente em torno deste debate (mais mediático do que concreto) e de um diploma que está ad eternum a ser votado na Assembleia da República e vetado pelo Presidente. Trata-se dum assunto de vida ou morte.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Luís Guimarães
Editado por: João Miguel Fonseca