Dia 8 deste mês teve lugar a primeira de quatro «Conversas com Público» baseadas na temática «Eu não sei quem sou» no Foyer do Teatro Municipal Joaquim Benite às 18 horas. O evento contou com o convidado especial Daniel Jonas e a moderação da jornalista Cristina Margato.

Esta Conversa com o Público visou aprofundar o subtema «O género no teatro isabelino» partindo da comédia de Shakespeare Noite de Reis. Nesta peça Shakespeare aproveitou-se de uma especificidade do teatro isabelino que proibia a subida ao palco por parte das mulheres, levando a que as personagens femininas fossem representadas por jovens atores, para explorar na sua peça o tópico da ambiguidade sexual.
Daniel Jonas é um conceituado dramaturgo, tradutor e poeta, vencedor do Grande Prémio de Poesia Teixeira De Pascoaes da APE em 2015 com a sua obra Nó e do Prémio António Gedeão de Literatura em 2018 com a sua obra Oblívio.
Jonas é portador de um vasto conhecimento da Literatura de Shakespeare, reforçado pelas inúmeras obras deste autor anteriormente traduzidas por si. A sua aproximação poética ao tema elevou continuamente a qualidade e o interesse demonstrados por parte do público perante o evento.
Verificou-se uma forte inclusão do público, quer através do convite ao debate, quer através da oportunidade permanente de este fazer perguntas, conferindo um caráter multidisciplinar à abordagem adotada perante este tema.
O discurso de Jonas incluiu temas como a desconstrução das normas de género, a inteligência e valorização social atribuída às personagens femininas antes e após o tempo de Shakespeare e o contexto sociológico por trás das peças.
Jonas destacou ainda diversas características distintivas de Shakespeare, nomeadamente a sua dualidade vincada, por um lado, por tragédias com «um vínculo mais viril» e, por outro lado, comédias mais femininas.
A título comparativo, Jonas realçou o contraste entre as condições da apresentação de peças de teatro no tempo de Shakespeare face aos tempos atuais.
O evento encerrou com a declamação do Soneto 20 por parte do poeta.
«Tens cara de mulher, p’la natureza
Pintado, dono dona do que sinto;
No coração mulher, sem a leveza
Instável que é seu timbre e seu instinto;
E tu mais luz nos olhos tens, dourando,
Mas sem traições, quem queiras contemplar;
Na cor um homem, toda a cor tomando,
Que a eles rouba olhares, a elas ar;
E por mulher te quis quem te criou,
Mas logo se embeiçou, ficou confuso,
E a mais te pôs, e a mim do mais privou,
Pois uma coisa pôs e que eu não uso.
Mais te equipou pra gozo da mulher;
Mas se me amares, dá-lhe o que ela quer.»
Tradução de Daniel Jonas
Escrito por: Cristina Cargaleiro
Editado por: Diana Rebelo Trigueiro