“Finalmente Menino Júlio”: Um espetáculo filmado que serve para terminar um filme inacabado.

Uma ideia original de Joana Cotrim, “Finalmente Menino Júlio”, estreou-se nas Carpintarias de São Lázaro no passado dia 7, onde permanecerá em apresentações até dia 17 de setembro.  

“Finalmente Menino Júlio” baseia-se na peça clássica de August Strindberg, “Menina Júlia”, uma história de desejo, sedução, poder e de um conflito gigante entre géneros e classes sociais que culmina numa noite trágica. Nesta produção vai-se além de qualquer formato tradicional, juntando duas artes, o cinema e o teatro.

Numa entrevista ao desacordo, Joana Cotrim admite uma grande afinidade em relação ao texto do século XIX, expressando o sentimento de “uma certa esperança e romantismo nesta distância entre pessoas de classes sociais diferentes” e o desejo de “trabalhar a ideia de dois polos:  baixo – cima, homem – mulher, rico – pobre.”

Fonte: Instagram @finalmentemeninojulio

Nesta versão da obra de Strindberg, Júlia é Júlio. Trocam-se os géneros das personagens “numa tentativa de se por no lugar do outro, de olhar bem para o que se passa na cabeça de uma mulher, de perceber quais os seus sentimentos”, declara Joana que, para além de criadora, interpreta o papel da empregada de limpeza que se envolve no jogo de sedução da personagem principal.

Pedro Sousa Loureiro, cocriador, que representa o papel de Júlio, partilha que uma sessão de constelações familiares, uma terapia feita através da ancestralidade familiar do indivíduo, o ajudou imenso a trabalhar a sua personagem e a “entrar nesta fragilidade mais tipicamente feminina sem o escudo da masculinidade tóxica que pudesse criar uma distância com o texto.”

Realizado por Marta Ribeiro, “Finalmente Menino Júlio”, é um espetáculo que se revela como um casamento entre o teatro e o cinema, o que permite uma “complementaridade dos dois lados”, afirma Marta. Ao mesmo tempo, a utilização da sétima arte neste projeto permite apresentar um realismo e uma história mais linear, algo que muitas vezes é perdido no teatro, de acordo com Joana, que afirma que o cinema “permite uma aproximação às emoções e aos pormenores”, bem como “resgatar uma coerência que eu acho que no teatro, às vezes, no pós-dramático, pode resvalar para um sítio que fica demasiado difícil de nadar.”

Fonte: Instagram @finalmentemeninojulio

“Finalmente Menino Júlio”, desconstrói “tudo aquilo que nós conhecemos como clichés (…), ou seja, a ideia de relação, de casal, de tudo aquilo que tomamos como garantido e óbvio”, afirma Marta. Da mesma forma, abre uma porta para a emancipação feminina, nesta versão em que “Finalmente” se troca o género da figura, finalmente vai ser o “Menino Júlio”.

Ao mesmo tempo, este torna-se num espetáculo acessível a todas as pessoas que não se identificam tanto com o teatro, atendendo à linguagem familiar usada e tendo em conta o retrato da “contemporaneidade das relações atuais”, de acordo com o ator Sérgio de Brito, que interpreta o noivo de Joana.

Assim, numa adaptação contemporânea e jovem, através de uma naturalidade e num tom de comédia, “Finalmente Menino Júlio”, apresenta-se como uma obra irreverente e cativante, que se destaca pela recusa de uma representação literal de “Menina Júlia”, estreada em 1888, e prospera na modernização de um espetáculo que engloba a junção perfeita do teatro com o cinema e do improviso com o encenado.

Escrito por: Inês Reis

Editado por: Rafaela Boita

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