General António de Spínola, talvez uma das figuras mais controversas da História recente do nosso país. Quem é este homem, que, formado para ser militar, alcançou o mais alto cargo do Estado, e porque é que a sua memória é tão pouco consensual? Spínola parece constituir hoje um fantasma político, quase um tabu, pelo menos segundo a narrativa de algumas alas políticas, o que se denota especialmente agora que o PR anuncia o seu desejo de condecorar o general por ocasião dos 50 anos da Revolução dos Cravos.
António de Spínola nasce em Estremoz, no Alentejo, em 1910, faz os seus estudos no Colégio Militar em Lisboa e desloca-se à frente de combate alemã durante a Segunda Grande Guerra – o seu estilo icónico não permite esconder a sua germanofilia de tendências prussianas e aristocráticas, de luvas, pingalim em riste e monóculo no olho, uma imagem carismática que o projeta para a posteridade do imaginário coletivo quase como uma personagem de filme envolta num certo anacronismo.
Em 1961, vem a Guerra do Ultramar e Spínola é destacado para comandar as tropas no terreno, chegando ao cargo de Governador da Guiné. Depois de mais de uma década de combate e do desaparecimento do pai do regime, leia-se Oliveira Salazar, Spínola toma uma posição de reserva em relação à política ultramarina e escreve Portugal e o Futuro, uma afronta a Marcello Caetano, um manifesto antiguerra, quase um ultimato às mais altas figuras da Nação, para que mudem o rumo das suas políticas ultramarinas. O que é certo é que logo no primeiro dia de vendas, nesse ano de 1973, o livro de Spínola é imediatamente um sucesso, e, um ano volvido, a Revolução dos Cravos depõe Caetano e Américo Tomás e Spínola instala-se no trono, não defendendo no entanto a independência dos territórios colonizados, mas antes a instauração dum modelo federalista com a metrópole à cabeça.
Claro que tal posição soa aos ouvidos dos revolucionários capitães de abril como uma certa continuidade do antigo regime, e assim a popularidade do velho general de 64 anos entra em decadência e este demite-se em setembro, depois dum curto período como PR. Hoje, em 2022, o nome do general volta à baila figurando numa lista de outras figuras que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pretende condecorar postumamente, sendo tal vontade vítima duma onda de repúdio por parte de determinados setores que percecionam Spínola como um reacionário de Extrema-Direita indissociável do Estado Novo, constituindo, na opinião destes, tal condecoração um completo ultraje. O PR, no entanto, parece ter voltado um pouco atrás no seu ímpeto condecoratório, sublinhando que tal não é para já, mas apenas para daqui a dois anos, em 2024, por ocasião dos 50 anos da revolução. Será que até lá Marcelo cede à pressão e desiste de condecorar Spínola? Essa é uma questão em aberto à qual só o futuro poderá responder.

Escrito por: Ricardo De Sousa Carmo
Editado por: João Miguel Fonseca