Em diáspora por terras de Amsterdão entrei casualmente num restaurante da nossa praça, o Restaurant de Portugees, bem no centro da capital mais hipster da Europa, e cujo nome não nos deixa enganar. Encontrei à entrada duas simpáticas senhoras, Ana Rita e Ana Paula, que me disseram ser o dono do restaurante um cidadão egípcio, para minha grande surpresa, eu que supus ser a propriedade de portugueses. Depois de alguma timidez por parte das simpáticas colaboradoras, uma delas aceitou ser entrevistada para o Desacordo. O seu nome é Maria, seu apelido, poderia ser Saudade, mas desta vez contornamos o óbvio e dizemos que seu apelido é Lúcio.
Boa noite Maria, muito obrigado por ter aceite receber-me no seu local de trabalho. Começo por perguntar-lhe há quanto tempo está nos Países Baixos?
Cheguei cá há 11 anos, a 22 de junho.
Porquê este país, como aconteceu vir cá parar?
Vim cá passar umas férias com o meu namorado que tinha cá família e apaixonei-me logo por este país, senti que ia gostar de cá viver. Na altura estava a trabalhar no Lidl lá em Portugal.
O que acha do sistema social deste país? Sente que tem o que precisa, que está melhor aqui do se estivesse em Portugal?
O sistema social aqui é bastante bom, o Estado apoia os cidadãos, eu no meu caso estava a viver com o meu companheiro em casa da tia dele e depois a Câmara de Amsterdão deu-nos um apoio financeiro no início, através dum subsídio para conseguirmos estabelecermo-nos aqui, foi assim. A Câmara também nos ajuda a encontrar emprego.
Qual é a sua relação com o holandês? Fala a língua?
Eu quando vim para cá morar ainda frequentei um curso à noite, numa escola ao lado da Arena do Ajax, para aprender a língua, mas depois tive de deixar por falta de tempo, porque eu tenho três empregos. Mas ainda assim consigo falar umas coisitas, o básico, e vou ouvindo, vou falando com as pessoas, vou melhorando assim.
Esteve emigrada noutro país antes de vir para os Países Baixos?
Não, não, só aqui, de resto vivi sempre em Portugal.
Desde que cá chegou, já viveu noutra cidade ou só em Amsterdão?
Conheço outras cidades, mas só vivi aqui em Amsterdão.
Gosta de trabalhar aqui no restaurante?
Gosto bastante de cozinhar, por isso sim, gosto bastante do meu emprego. Eu em Portugal também cheguei a trabalhar como cozinheira.
Recomenda às pessoas mudarem-se para os Países Baixos?
É necessário ter espírito trabalhador para se fazer algum dinheiro aqui, ter espírito de sacrifício; diria às pessoas que não venham para aqui a pensar em fazer dinheiro fácil sem trabalhar muito, porque é ao contrário, é preciso realmente dar o corpo ao manifesto, o que penso ser transversal a todas as áreas e setores, não só na restauração.
Um conselho para os que se querem mudar, sejam eles jovens, de meia-idade ou velhos?
Virem com espírito trabalhador e preparados para penar no início, vão à luta. O Estado ajuda a pagar o seguro de saúde, mas temos de ir à procura, falar com as autoridades. São 132 euros de seguro de saúde, o Estado a mim dá-me 112 euros de seguro todos os meses, por exemplo, só para ter uma ideia.
Algo de que se tenha arrependido? Que podia ter feito diferente quando se mudou para aqui?
Gostaria de ter vindo mais cedo e sozinha, porque vim com a pessoa errada.
Tem filhos? Eles também vivem cá?
Tenho um filho chamado Ricardo Jorge, tem 42 anos, e vive na nossa terra, em Alcácer do Sal, é eletricista na Câmara, casado. Tem um filho, o meu neto Gonçalo, que faz 9 anos no dia 13 de setembro.
A Maria foi casada?
Fui casada sim, durante 18 anos com o pai do meu filho.
Com que idade casou?
Eu era muito jovem, tinha 17 anos quando me casei.
Pensa voltar para Portugal?
Ainda não sei bem, para já quero ficar cá. Gosto bastante disto aqui, da mentalidade progressista das pessoas, cada um é livre de ser como quer e fazer o que quer e eu gosto muito disso, dessa abertura de espírito, dessa liberdade.
Sente muitas vezes saudade?
Do país em si não, porque como disse, eu gosto muito disto aqui, gosto de cá estar, é muito mais dinâmico do que a minha terra, mas sinto saudade da família, sim, evidentemente. Agora, os portugueses são muito tacanhos e eu não me identifico com isso, eu não sou assim, sou uma mulher livre.
Tem formação superior? Qual é o seu nível de escolaridade?
Nunca fui à Universidade, mas acabei o 11º ano em Portugal.
É feliz aqui?
A fase mais feliz da minha vida talvez tenha sido aqui, sim, mais do que em Portugal. Sou muito feliz aqui, este país, esta cultura, ganharam o meu coração. Mas Portugal está sempre em primeiro, foi lá que eu nasci, é de lá que eu sou.
Com quem aprendeu a cozinhar?
Aprendi a cozinhar com a minha mãe, ainda em criança.
Veio com expectativas elevadas quando se mudou para cá?
Olhe, francamente não, vim à aventura a ver no que isto ia dar, porque queria mudar a minha vida; e apesar do desaire amoroso por que passei tentei sempre ficar, mas não vou mentir, houve uma altura que pensei em desistir e voltar para trás, para Portugal, estava cá sozinha e sem emprego ainda. Mas disse para mim própria que ia ficar, que ia tentar tudo por tudo e cá estou, consegui dar a volta por cima, e sinto que tomei a decisão certa.
Qual a melhor coisa que já lhe disseram?
Que sou uma mulher espontânea e divertida, com muita paz de espírito; amiga do seu amigo, uma boa pessoa, bom coração; os meus amigos emigrantes do Luxemburgo vêm cá e adoram-me, fazem sempre uma festa quando me veem. E eu gosto muito desses encontros, desse convívio.
Fazendo um balanço da sua vida, valeu a pena a mudança, essa revolução?
Valeu a pena esta revolução, não me arrependo nada de ter para aqui vindo, foi a melhor decisão da minha vida, e voltaria a fazer o mesmo.
Considera que emigrar, deixar a nossa terra, é um ato de coragem? Talvez seja preciso um pouco de loucura, não?
É preciso coragem, espírito aberto, é preciso uma certa dose de loucura, sim, não é qualquer pessoa que tem essa ousadia, isto vai muito do espírito de cada um.
O que acha da mentalidade aqui? Em termos de abertura à homossexualidade, drogas, prostituição?
Eu defendo a essência das pessoas, de cada um de nós, acho que cada um deve ser como realmente é e não estar com artifícios só porque fica bem; tenho amigas gay no meu círculo de relações aqui e respeito inteiramente a individualidade das pessoas, aliás, não faz sentido que seja de outra maneira que não assim. Em relação às drogas considero melhor ser uma coisa livre do que ilegal, porque é que se há de fazer por baixo da mesa, às escondidas e criar problemas sociais enormes? Não faz sentido, assim é muito melhor, às claras, tudo legalizado, tudo como deve ser; Em relação à prostituição, não me oponho, eu própria tenho três amigas travestis, que são homens, e trabalham nas vitrines do Red Light District, por exemplo. São acompanhadas medicamente mensalmente, é tudo controlado para que não haja problemas, e elas pagam um aluguer e imposto para lá trabalharem, aquilo é tudo regulado.
Gosta de futebol?
Gosto muito, sou benfiquista, aqui torço pelo Ajax, já fui ao estádio ver vários jogos. O patrão da papelaria é sócio e arranja sempre e bilhetes para os amigos.
Chora a ouvir Amália? Gosta?
Lido bem com isso, não me faz sentir emocionada, não sou esse tipo de emigrante, nós quando emigramos temos de nos habituar aos costumes do sítio para onde vamos e eu gosto muito deste país.
Vai a Fátima a 13 de maio?
Sou católica praticante e sempre que vou a Portugal visito Fátima, sim. Fui peregrina durante 8 anos consecutivos e aqui em Amsterdão vou à missa a uma Igreja Católica. Nunca tive ainda a curisosidade de assistir a uma missa protestante, por acaso não.
Onde quer descansar quando desaparecer deste mundo? Cá ou em Portugal?
Quero ser cremada onde morrer e quero que as cinzas sejam deitadas ao Tejo.
Os seus pais ainda são vivos?
Tenho a minha mãe com 86 anos e ainda estou a tentar convencê-la a vir. Com a pandemia acabou por ficar adiada a vinda dela cá.
Descreva Portugal numa palavra.
Para mim é o país mais bonito que existe.
Nunca viveu em Lisboa?
Não, sempre em Alcácer, mas conheço Lisboa, evidentemente.
Perfil:
Nome – Maria Dulcídia Bilau Lúcio.
Idade – 30.09.1961, 61 anos.
Escrito por: Ricardo de Sousa Carmo
Editado por: Rita Tavares