Devido ao aumento das regiões atingidas por fenómenos meteorológicos extremos e da duração dos mesmos, há quem questione as previsões do aquecimento global e das alterações climáticas. Estão os cientistas errados? A resposta é não, e a guerra na Ucrânia pode piorar a situação.
Em Portugal, este inverno foi mais seco do que muitos verões. No dia 4 de março, 95,5% do território português estava em seca severa ou extrema, as barragens tiveram de parar, o governo teve de tomar medidas de poupança de água no inverno. Faz-nos pensar, como será o verão?
Recentemente, temos também na nossa memória as inundações na Alemanha e Bélgica, que mataram mais de 200 pessoas; no centro da China, onde durante três dias choveu o equivalente a 1 ano; incêndios no círculo polar, no dia 22 de março no Polo Norte e no Polo Sul a temperatura registada está entre 30 a 40 graus Celsius acima da temperatura normal para a época. Parece tudo fenómenos que só iriam acontecer num futuro distante, no entanto, estão aqui. Estarão os cientistas e as suas previsões erradas?
Não. Já na década de 80, James Hansen fez 3 previsões quanto ao aquecimento global: a pior previsão, o cenário A, é feita tendo por base o aumento das toneladas de CO2 produzidas por ano. Neste cenário já teríamos, em 2020, 1.5Cº acima da temperatura média global, o que, como foi possível observar, não aconteceu. Curiosamente, esta previsão, que é um extremo, é a mais publicada pelos media, o que acontece regularmente. Existe uma tendência verificada nos meios de comunicação de se abordar unicamente os extremos destas previsões, de forma que dê a entender que as alterações climáticas são um tema que ainda há tempo para abordar, que só irão acontecer num futuro distante. Muitas vezes, esta desinformação é apoiada por grandes empresas que querem que nós, seres humanos, não façamos alterações ao nosso estilo de vida, pois vão perder lucro com isso.
Quando olhamos para o cenário B, de Hansen, as previsões estão muito próximas do observado, tendo em conta que a previsão para 2020 era de que a alteração da temperatura média global fosse de um pouco mais que 1Cº e é isso é a realidade: estamos em 1.1Cº.

Na figura 1, a vermelho, é possível ver o pior cenário, o cenário A e a azul o cenário B, que está muito próximo do preto, o que foi observado. A verde encontramos o cenário C, o melhor dos casos possíveis, se nos anos 00s tivéssemos começado logo com a descarbonização.
Com isto, podemos observar que já na década de 80 tínhamos previsões bastante boas para os avanços tecnológicos da altura, mas nada foi feito.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), é uma organização criada pelas Nações Unidas para estudar o aquecimento global e as alterações climáticas. Os relatórios feitos por esta organização e as previsões nunca excluíram o que estamos agora a viver, ou seja, o que está a acontecer sempre esteve dentro dos limites das previsões. Nós, como seres humanos, não gostamos de acreditar naquilo em que não queremos ver tornar-se realidade, pelo que acabamos por filtrar estas previsões e só acreditar no que achamos possível acreditar e aquilo que gostamos (chama-se a isto raciocínio motivado).
Quanto à previsão das alterações climáticas, estamos perante um tema mais complicado, pois só recentemente temos a tecnologia para, de forma regional, termos uma noção dos impactos que as alterações climáticas vão ter e não há nada mais claro de que o aumento da temperatura média global vai causar esse fenómeno. Mas não sabemos, por exemplo, o impacto exato de cada grau decimal, no entanto, sabemos que cada grau decimal acima é um grau decimal a mais e traz consigo mais fenómenos extremos e intensos.
Pensamos que 1.5Cº seja o limite, o tipping point, então definimos esse como o valor máximo para 2050. Todavia, para não ultrapassarmos esse valor teríamos de ser muito mais rigorosos do que estamos a ser e a verdade é que não se sabe qual é o tipping point ao certo: podemos já o ter passado ou ainda estar por vir, pode ser aos 1.6Cº ou aos 1.7Cº, existem demasiados fatores.
Um grande fator é o degelo, que está a acontecer muito mais rápido do que o esperado, podendo ter consequências inimagináveis, para não falar da subida do nível médio do mar. Os glaciares com neve refletem 90% da energia emitida pelo sol e nos polos, com o degelo, surge o mar escuro que absorve muito mais luz solar, o que contribui para o aquecimento dos oceanos. Por sua vez, os glaciares começam a derreter por baixo, aumentando ainda mais o degelo.
Existe um enorme volume de gases de efeito estufa presos no pergelissolo e por baixo do gelo que, ao derreterem, libertam esses mesmos gases, o que contribui ainda mais para o efeito estufa. Este faz com que o gelo derreta ainda mais rapidamente – um círculo vicioso no qual já podemos ter entrado. O gelo nos polos é uma massa tão grande que comprime a terra tornando os polos mais achatados. Com o degelo, o planeta Terra está a ficar deformado, já que com a perda desta massa a terra fica mais redonda, e nós não fazemos ideia de como esta diferença na pressão vai afetar as placas tectónicas e os sismos.
Por certo, nos próximos anos podemos esperar um aumento dos fenómenos extremos e da sua duração e intensidade. Nos dias de hoje, o grande evento é a guerra na Ucrânia, que tem grandes consequências para o aquecimento global. Com a guerra, vários países no mundo adotaram uma política de corrida às armas, ou seja, de rearmamento, tendo alguns países duplicado o investimento na defesa. Este é dinheiro que podia ir para a saúde, que com a pandemia vimos ser tão importante, para a educação ou para combater a guerra mundial contra o aquecimento global – uma guerra que parece estarmos a perder.
Não devemos confundir ciência com ideologia.
Fontes:
Skeptical Science – What do we learn from James Hansen’s 1988 prediction?
Advancing Earth and space science – Evaluating the Performance of Past Climate Model Projections.
Oreskes, N., & Conway, E. M. (2010). Merchants of doubt: how a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming. New York: Bloomsbury Press.
National Library of Medicine – The case for motivated reasoning.
Jornal Contacto – Mais de 95% de Portugal está em situação de seca severa ou extrema.
IPCC – Climate change widespread, rapid, and intensifying.
National Snow and Ice Data Center – Thermodynamics.
National Science Foundation – Ice Sheets.
The New York Times – Climate Change Is Accelerating, Bringing World ‘Dangerously Close’ to Irreversible Change.
Escrito por: Núcleo Académico para a Proteção Ambiental (por Bruno Vieira)
Editado por: Rafaela Boita