Ao longo da sua carreira Djamila Ribeiro ganhou notoriedade e reconhecimento tanto no Brasil como internacionalmente, como colunista, escritora e ativista. Atualmente atua também nas redes sociais, uma das suas principais formas de comunicação com o público, somando assim mais de um milhão de seguidores, tendo assim um grande poder de influência e um grande meio para divulgar as suas ideias — bastante importantes para inspirar e consciencializar uma futura geração do combate ao racismo estrutural e para, assim, se criar uma sociedade com menos desigualdades sistémicas e uma maior intervenção cívica para evitar a discriminação existente.
QUEM É A DJAMILA RIBEIRO?
Djamila Taís Ribeiro dos Santos, nascida em Santos, São Paulo, Brasil no ano de 1980, desde cedo teve contacto com o ativismo, através do seu pai, José Ribeiro dos Santos, ativista pela defesa dos direitos dos negros, e também uma das figuras que ajudou a fundar o movimento comunista na sua cidade. Sempre fez questão que os seus filhos o acompanhassem para as conferências e encontros.
O debate e a militância acerca das questões raciais, principalmente em território brasileiro, sempre estiveram presentes na vida da autora desde cedo. Afirmou-se como feminista quando, aos 18 anos, conheceu a Casa de Cultura da Mulher Negra, uma ONG em defesa dos direitos das mulheres e da população negra na sua cidade natal. Trabalhou na ONG, onde atendeu mulheres vítimas de vários tipos de violência, tendo sido a partir dessa experiência e de estar cara-a-cara com a realidade dessas mulheres que se inspirou para começar o seu estudo acerca de questões raciais e de género.
Em 2005 interrompeu a sua graduação em Jornalismo. No entanto, mais tarde, em 2012, deu continuidade aos seus estudos e graduou-se em Filosofia na Universidade Federal de São Paulo e, em 2015, tornou-se mestre em Filosofia Política, na mesma universidade. Desde que começou a intervir e a ter voz no cenário brasileiro e também internacional na área do feminismo e ativismo negro, inspirou milhares de pessoas e atualmente tem bastante influência nas redes sociais. É possível verificar que o seu trabalho é notado pelo mundo fora: em 2018 integrou a lista das cem pessoas negras mais influentes do mundo com menos de quarenta anos, uma distinção apoiada pela ONU.

A BASE DO SEU ATIVISMO
A autora, quando criança, foi ensinada de que a população negra foi escrava. No entanto, nunca houve um desenvolvimento mais aprofundado acerca desse tema, visto que a história acabava por ser contada do ponto de vista dos “vencedores” e dos opressores. É importante salientar que a cultura da população negra é muito mais vasta do que apenas o que diz respeito ao período histórico onde se situou a escravidão. Só anos mais tarde e com uma maior capacidade de investigação e compreensão é que foi possível para a autora entender que a população negra havia sido escravizada, mas que essa condição não era inerente à sua cor de pele, pelo facto, de que tal condição foi imposta por outrem.
Djamila entende que debater e entender acerca de questões relacionadas com racismo é um processo desafiador, complexo e dinâmico, que envolve uma reflexão crítica profunda, mas que é bastante importante em qualquer sociedade, principalmente na brasileira. Tendo crescido e ainda a viver no Brasil, a autora realça e tem como principal objetivo de estudo a sociedade, a história e a política brasileira. Deste modo, é referido que a condição de escravidão a que os povos negros foram sujeitos no passado, até aos dias de hoje, têm repercussões na maneira de como a sociedade brasileira se organiza.
É apontado pela autora que existem inúmeros movimentos de apoio à comunidade negra e de que há anos debatem o racismo estrutural que existe nas relações interpessoais, criando desigualdades ao longo do percurso de vida de uma pessoa negra. Tendo este ponto de vista, pode-se entender que o racismo, portanto, é um sistema de opressão que nega direitos a um vasto grupo de indivíduos. Aceitar o cunho estrutural do racismo pode ser uma tarefa desconfortável e assustadora, visto que se acaba por perceber que fazemos parte deste mesmo sistema opressor inconscientemente.

O PEQUENO MANUAL ANTIRRACISTA
Djamila no seu livro “Pequeno Manual Antirracista”, publicado em 2019, cita a obra Racismo Estrutural de Silvio Almeida em que o autor refere que “o racismo é parte da estrutura social e, por isso, não necessita de intenção para se manifestar, por mais que calar-se diante do racismo não faça do indivíduo moral e/ou juridicamente culpado ou responsável, certamente o silêncio o torna ética e politicamente responsável pela manutenção do racismo.”
Djamila, ainda assim, reforça que a população negra não é a única que sofre de opressão estrutural, e que existem muitos outros grupos sociais que o sofrem e que partilham experiências de discriminação similares em algum ponto. Por isso, a ressalta de que o seu livro “Pequeno Manual Antirracista” é referente ao problema estrutural do racismo, mas que espera que de alguma forma contribua para o combate a outras formas de opressão existentes.
De forma a poder explicar o racismo estrutural existente no Brasil e não só, Djamila cita Kabengele Munanga, antropólogo e professor na Universidade de São Paulo. Segundo Munanga a situação e a experiência vivida no Brasil ao longo da história e na atualidade, tem de ser logo de início diferenciada de outras (tais como do apartheid na África do Sul e dos problemas raciais vividos nos EUA na primeira metade do século XX), pela razão de que nesses outros momentos da história existiam explicitamente e estavam institucionalizadas leis e medidas oficiais de cariz racista. Um dos caminhos, segundo Djamila, para combater o racismo no Brasil e no mundo é tornar a discussão acerca do mesmo algo normal do quotidiano: não deve ser nenhum tabu, tem de ser discutido e questionado. É necessário que a sociedade se questione acerca do que é e não é racismo, não podendo haver medo de caracterizar alguma ação como racista se o foi. O primeiro passo para combater a opressão é reconhecer que ela existe.
A VISÃO DO MUNDO SEGUNDO DJAMILA
As pessoas negras acabam por refletir sobre a sua condição racial desde tenra idade, principalmente no início da sua vida escolar. Para a autora, foi por volta dos seis anos que entendeu que ser negra era um problema para a sociedade em que vivia. Foi quando a sua realidade se afastou mais do seu núcleo familiar e se começou a relacionar com outras realidades e com a sociedade como um todo que se sentiu “diferente”. Neste caso, o que a autora quer referir é que não era “branca” e que isso lhe foi apontado como um defeito.
Acabou por ser forçada a se confrontar com o racismo estrutural no seu quotidiano. No entanto, quem era “branco” acabava por viver numa “bolha de privilégio”, porque não se tinham de preocupar com as questões raciais, porque não viviam sendo discriminados ou porque nunca tinham refletido sobre tal visto que não tinham necessidade disso.
Esta divisão social, segundo a autora, existe há séculos, e a falta de reflexão sobre o assunto é apontada como uma das bases de perpetuação da discriminação racial, porque mesmo alguém “branco” não realizando atos racistas ou discriminatórios, toda a sua vida beneficiou da estrutura racista da sociedade, mesmo muitas das vezes sem perceber, compactuando com a violência e discriminação racial estrutural. Toda esta situação de discriminação é perpetuada também pelos estereótipos a que a população negra é associada, e que ao longo da sua vida é exposta.
Para uma pessoa negra não é natural nem realista que um grupo social ou étnico domine a produção do saber, que seja a referência estética e cultural. Deveria haver mais representatividade, mesmo que atualmente as sociedades ocidentais estejam numa fase de mudança para que haja uma maior representatividade e que todas as pessoas sejam representadas nos meios de comunicação, na moda e na cultura. Mas ainda há bastante trabalho para se fazer.
Toda esta marginalização que a população negra sofreu nas várias áreas da sociedade levou a que se desenvolvesse estratégias para a superar ao longo da história. Tenha-se como exemplo movimentos sociais para combater a segregação da população negra e para incentivar a uma maior valorização da estética e cultura negra.

As pessoas ditas brancas não têm o hábito de pensar sobre o que significa fazer parte de um grupo social privilegiado. Um exemplo utilizado pela autora é a “ausência ou a baixa incidência de pessoas negras em espaços de poder”: muitas vezes não é questionada ou causa incómodo à população branca. E para evitar isso, a sociedade tem de começar a questionar a menor quantidade de pessoas negras em cargos de gerência, políticos e também de pensadores e estudiosos. Para a autora, as pessoas terem consciência dos seus privilégios socioeconómicos, e de grupo, é uma forma também de terem ideia de como podem ajudar outras menos privilegiadas. O debate sobre os privilégios está também associado à estrutura social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A autora decidiu insurgir-se pela área da teoria política, focada na luta antirracista, por se ter deparado durante a sua infância e o início da sua vida adulta, com situações que a fizeram repensar a forma como via o mundo enquanto uma mulher negra. O crescente descontentamento com uma História dos seus antepassados que considera errónea foi mais um dos motivos que fez com que Djamila quisesse seguir este caminho de ativismo e militância para a sua vida e carreira, que hoje inspira milhares de pessoas e que continuará, com certeza, a inspirar cada vez mais gente.
Escrito por: Filipe Pereira
Editado por: Filipe Ribeiro