Recentemente o termo “terrorismo” foi discutido por diversos especialistas, em diversos órgãos de comunicação social, devido ao caso que envolve a tentativa de preparação de um ataque por parte de um jovem de 18 anos na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Este caso teve um volume muito elevado de notícias num curto espaço de tempo, tendo sido discutida várias vezes a possibilidade de ser considerado, ou não, um caso de terrorismo, chegando até ao ponto de se discutir o próprio significado de terrorismo.
No site da Infopédia, um site que contém 32 dicionários da Porto Editora, terrorismo é definido como uma “prática de atos premeditados de violência (assassinatos, raptos, extorsões, deflagração de bombas, etc.) dirigidos contra uma classe dominante, um grupo ou mesmo pessoas indeterminadas, visando causar terror e fragilizar o poder estabelecido, de forma a tentar impor determinados objetivos, geralmente de ordem política”. Ou seja, uma primeira definição que se aplica a um conceito de terrorismo mais mediático e sociológico de um ato que pretende impor objetivos de base ideológica, religiosa, política.
Em seguida é apresentada uma definição de sentido figurado em que aplica o significado de terrorismo a um “sistema de governo que utiliza o terror e medidas violentas para tomar ou manter o poder” e por último, também apontando em sentido figurado, o “uso sistemático de violência, crueldade e/ou intimidação como meio coercivo ou de dominação”, esta última definição mais abrangente e focada no ato de intimidação independente de motivações ideológicas.
Olhando para estes significados o que pode ser considerado terrorismo ou não? Esta foi a questão que me levou a explorar os significados do terrorismo, focando no significado jurídico-penal, a perspetiva do conceito que determina em tribunal se um caso pode ser considerado terrorismo ou não, segundo o que está previsto na lei portuguesa. Para poder explorar melhor o conceito nesta perspetiva, contactei o Professor Rui Pereira, Professor Catedrático Convidado no ISCSP-UL, licenciado em Direito e mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito de Lisboa, para conversar mais sobre o tema.
Segundo o Professor Rui Pereira, a lei que atualmente está em vigor em relação ao terrorismo é a Lei de 2003, aprovada na sequência de uma Decisão-Quadro da União Europeia em 2002, que teve como causa o conjunto de atentados do 11 de setembro. Esta decisão-quadro foi aprovada para reforçar a luta contra o terrorismo e, na sequência da sua aprovação, surgiu a Lei de 2003.
No entanto, a lei quanto ao terrorismo não passou a existir apenas a partir de 2003, tendo em conta que antes da aprovação desta lei já o crime de terrorismo e o crime de organizações terroristas estava previsto no Código Penal, nos artigos 300º e 301º, que foram revogados. Estes artigos passaram a estar previstos numa lei avulsa, a Lei n.º 52/2003, pelas novidades que trouxe e que eram difíceis de incluir no Código Penal. Estas novidades passam pela responsabilidade de pessoas coletivas pelo crime de terrorismo, a punição de certos atos preparatórios, a punição do terrorismo internacional e a punição de certos crimes com conexão com o terrorismo como o próprio furto ou falsificação de documentos.
Com isto, a Lei de 2003, uma lei que não é muito diferente das restantes leis europeias, procurou alargar o âmbito da prevenção e repressão do terrorismo e, desde aí, foi tendo algumas alterações na sequência de novas decisões do Quadro da União Europeia.
Ainda quanto ao que está previsto na lei e já estava no Código Penal, o Professor Rui Pereira destaca que o terrorismo não precisa de ter uma organização para existir. Se a pessoa praticar terrorismo e estiver numa organização é punida por dois crimes, o crime de organização terrorista e o crime de terrorismo. Se uma pessoa adere a uma organização terrorista já está, apenas por isso, a praticar um crime, punível com pena de prisão de 8 a 15 anos. Todavia, caso a pessoa se arrependa, abandone voluntariamente a organização e até ajude eventualmente a combatê-la, pode não ser punida, algo que prevê a lei portuguesa para ajudar a combater e prevenir o terrorismo.
Assim, ao consultar a lei, podemos perceber que o conceito jurídico-penal é um conceito muito mais alargado e isso acontece para não deixar impunes quaisquer atos terroristas, já que no Direito Penal vigora o princípio da legalidade que impede que as pessoas sejam punidas por factos que não estejam previstos em lei anterior, portanto se não houver essa lei anterior a pessoa não pode ser punida. Daí a preocupação de abranger o maior número possível de fenómenos no âmbito do conceito de terrorismo.
Se nos depararmos com outros conceitos, de ordem mais sociológica e mediática, vemos um conceito de terrorismo menos amplo, mais ligado à necessidade de existirem motivações ideológicas, tal como Diogo Noivo, analista de risco, defende. Diogo Noivo afirmou na CNN que a lei portuguesa é demasiado “lata” quanto ao terrorismo, defendendo que “a palavra tem um significado e tem de cumprir pressupostos, a motivação ideológica ou motivação política”. No entanto, esta classificação do ato de terrorismo é vista de maneira diferente no âmbito jurídico.
Como título de exemplo, olhando para o que se sabe do caso da tentativa de ataque na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, segundo o Professor Rui Pereira, o facto de o jovem de 18 anos querer matar muita gente não caracteriza os seus crimes como terrorismo, nem o meio usado, ou seja, as armas envolvidas. O crime que o jovem comete desde logo é quanto à posse de armas ilegais, de acordo com a lei das armas, um crime punido com pena de prisão que pode ir até 5 anos. Já quanto à possibilidade de terrorismo, aquilo que caracteriza um crime de terrorismo no caso em concreto é a possibilidade de haver vontade de coagir e ameaçar a comunidade universitária e, se assim for, pode ser considerado terrorismo.
Por outro lado, o Professor Rui Pereira deixa o reparo de que o jovem continua a poder estar em riscos de outras sanções, porque a lei, para perseguir de forma eficaz o terrorismo, prevê certos atos preparatórios dos atentados como crimes. Este facto não é a regra em Direito Penal, onde os atos preparatórios dos crimes não são punidos, mas no terrorismo isso pode acontecer.
Pode-se considerar como crime no âmbito dos atos preparatórios de terrorismo o facto de uma pessoa viajar para o estrangeiro para dar ou receber treino terrorista. Um ato preparatório que se tem falado em relação ao caso do jovem é a possibilidade de ter recebido instruções ou treino para atentados terroristas, mesmo que tenha sido pela internet, a procura de instruções para praticar atentados terroristas é um crime em si mesmo, punível com prisão de 2 a 5 anos. Por último, algo que é punido por lei e pode estar associado a este caso é também a apologia ao terrorismo, que é crime, pois cria perigo de futuros atentados e é punível com pena de prisão até 3 anos.
O terrorismo perante a lei não se prende somente a motivações de ordem ideológica, política, religiosa ou nacionalista, mas sim com a qualquer ato de violência que tiver uma motivação relacionada com a criação de medo na população em geral ou numa parte determinada da população, podendo ainda ter sanções quanto à preparação do ato terrorista, o que foge à regra do Código Penal que só condena crimes que foram realmente praticados e não intenções de os praticar.
Escrito por: Rafaela Boita
Editado por: Rita Tavares