Em fevereiro de 1992, um ato arbitrário e sem fundação legal, por parte do órgão administrativo da República da Eslovénia levou ao apagamento de títulos de residência permanentes, o que implicou severas violações dos Direitos Humanos. Esta foi a trágica realidade de 25,671 pessoas na Eslovénia – os apagados.
A antiga Jugoslávia ou República Socialista Federativa da Jugoslávia era composta por seis repúblicas: Eslovénia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Sérvia, Montenegro e Macedónia. Aquando a queda da Jugoslávia deu-se a declaração da independência da Eslovénia (junho de 1991), que desencadeou um imediato confronto militar entre a Eslovénia e a Jugoslávia – a “Guerra dos dez dias”. As forças eslovenas registaram 19 mortos e 182 feridos. Já do lado do Exército Popular Jugoslavo contaram-se 45 mortos e 146 feridos. Com a rendição do exército jugoslavo, e a assinatura do Acordo de Brioni deram-se por terminadas as hostilidades entre ambas as partes, e a Eslovénia consolidou a sua independência. A propósito, em 2021, o país celebrou os 30 anos da sua independência.

Os cidadãos das antigas repúblicas da Jugoslávia tinham, seis meses para solicitar a sua cidadania, conforme indicado no artigo 40.º da Lei de Nacionalidade da República da Eslovénia, onde se encontram as condições para a aquisição, ou perda da nacionalidade eslovena. 25,671 pessoas viram os seus títulos de residência permanentes ilegalmente revogados, em fevereiro de 1992. Assim, viviam na Eslovénia, mas sem documentos válidos. Destaca-se o facto de que, mesmo que os indivíduos não tivessem requerido a cidadania eslovena deveriam ter mantido os seus títulos de residência permanente (considerando que viviam legalmente em território esloveno), ainda que perdessem a sua cidadania e passassem a ser estrangeiros aos olhos do Governo. No entanto, tal não se verificou, visto que as pessoas foram simplesmente apagadas dos registos, como se nunca tivessem existido.
Sem status legal, estes indivíduos viram-se privados dos seus direitos sociais e económicos. Os seus registos foram eliminados, sem qualquer aviso prévio ou possibilidade de os requerer. Foi como se estas pessoas deixassem de existir. O mesmo aconteceu com os seus direitos. Não tinham o direito ao emprego, à habitação, à educação, à saúde, ou à segurança social. Muitos dos izbrisani (em esloveno, os apagados) adoeceram e morreram por não terem acesso a um médico, ou aos hospitais. Eram deportados, expulsos à força do seu próprio país vendo-se separados das suas famílias. Não podiam comprar casas, ingressar no ensino superior e os seus filhos não podiam ser registados após o nascimento.
Abaixo encontram-se alguns trechos de testemunhos de indivíduos, que tiveram inúmeros problemas, por consequência do apagamento. Muitas destas pessoas, durante imenso tempo não deram conta do sucedido, ou acreditavam ser um erro, ocorrido apenas consigo.
“Em 1991 ou 1992 eu e o meu marido tivemos os dois de tirar uma licença à força, e depois ambos perdemos os nossos trabalhos (…) foi quando me disseram que não tinha direito ao apoio da segurança social e ao abono de família, que percebemos que tínhamos sido apagados (…)”.
“Não vi os meus pais, irmãos e irmãs durante quatro anos e meio. O meu filho conheceu-os quando tinha cinco anos. Isto é humano? Por não ter documentos, não pude atravessar a fronteira”.
“Não sabia que tinha de solicitar um título de residência permanente (…) se alguém me tivesse dito isto, tê-lo-ia feito de imediato. Na altura, este assunto não era discutido publicamente, nos media. As pessoas não tinham acesso a toda esta informação. Só soube do apagamento muito mais tarde”.
“Tinha status de refugiado na altura em que finalmente recebi a cidadania em 1999”.
“Em 1993, a polícia apareceu no nosso apartamento e ordenou-nos que entregássemos todos os documentos (…) não sabíamos que tínhamos sido apagados até ao dia em que a polícia apareceu (…) até a nossa filha mais nova, que nasceu na Eslovénia e nunca viveu em outro sítio foi apagada”.
“Quando o meu cartão de cidadão expirou dirigi-me ao município para o renovar, mas a escriturária furou o cartão e disse-me para arranjar documentos para estrangeiros. Isto ocorreu no início de 1990, quando a situação política ainda era tensa. Quando lhe perguntei o que precisava para obter a cidadania, ela gritou-me e disse-me que a Juguslávia se tinha desintegrado por causa de pessoas como eu”.
“A minha mãe não falava muito sobre isto, porque a magoava (…) antes da desintegração da Jugoslávia, ela trabalhou num bar em Ljubljana, mas tropeçou enquanto limpava o chão, caiu de costas e ficou gravemente ferida. O tratamento e a recuperação levaram muito tempo (…) ela perdeu o seu trabalho, mas passado algum tempo arranjou outro num restaurante de uma amiga, onde trabalhou ilegalmente (…). Quando os inspetores apareciam no trabalho, ela escondia-se. Ela contou-nos que muitas vezes fugia para lhes escapar. Ela tinha de arranjar maneira de ganhar dinheiro. Trabalhava o dia inteiro para nos poder comprar pão (…). Lembro-me que lhe ligava e chorava porque tinha saudades dela, como qualquer criança teria (…). Foram tempos difíceis para nós”.
“O que é que os apagados querem? Queremos um pedido de desculpas pelo que nos fizeram (…) ainda existe um medo de que algo possa correr mal novamente”.
Fonte dos testemunhos anónimos: Instituto Mirovni
No início de março de 2010, foi promulgada uma alteração legislativa, mediante a qual todos os apagados que anteriormente não conseguiram regularizar o seu estatuto de residência poderiam fazê-lo.
A questão dos apagados implicou a violação de vários direitos humanos, razão pela qual não deve ser esquecida. Apesar de o próprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ter reconhecido que os direitos dos apagados foram violados, nunca houve uma responsabilização e um pedido de desculpas oficial por parte do Estado. Para além disto, as compensações atribuídas aos apagados foram escassas, e é de referir que muitas pessoas que atualmente já obtiveram o título de residência permanente, devido aos anos de serviço que perderam, têm pensões muito baixas, de acordo com o Balkan Transitional Justice.
“Tanto os apagados como os seus filhos e as suas famílias ainda vivem com as graves consequências do apagamento. O apagamento não é uma coisa do passado. Permanece muito vivo. Por isso preparámos uma petição com um convite ao Presidente da República para pedir desculpas aos apagados. Convidamos o maior número possível de pessoas a assinar”. – Nataša Posel, diretora da Amnistia Internacional Eslovénia. O seguinte link concede acesso à secção da página web da Amnistia Internacional Eslovénia, onde é possível assinar a petição.

“Caro Presidente Pahor,
Exorto-o a finalmente pedir desculpas em nome da República da Eslovénia pelo apagamento e as suas consequências por ocasião do 30º aniversário do apagamento. O apagamento foi uma violação maciça dos direitos humanos com graves consequências. Um pedido de desculpas trará uma importante satisfação moral aos apagados. O apagamento foi feito em nome do estado e agora espero que você se desculpe também em nome do estado”, lê-se na petição.
Escrito por: Joana Horta Lopes
Editado por: Renato Soares