Fenómeno maior da atualidade global, as migrações (também chamada “crise de refugiados”) são hoje um dos temas quentes da política internacional que mais abala a União Europeia, na medida em que este fenómeno demográfico massivo tem posto à prova a maneira como os membros da UE se relacionam entre si. De que maneira são absorvidos os migrantes dos ditos países “não-alinhados”? É a Europa de hoje capaz de integrá-los melhor do que na década de 90, quando se deu o início das ondas migratórias? Como é que os europeus perspetivam os migrantes?
Procurarei fazer uma análise deste tema relatando para isso alguns episódios que vivenciei durante a temporada que passei em Itália, na ilha da Sicília, onde o contacto com a realidade da travessia do Mediterrâneo se sente bastante próxima e onde facilmente se observam os rostos de quem fugiu do Médio Oriente e do Magrebe. Pude falar com sem-abrigos numa ocasião em que integrei uma equipa de jovens voluntários, e descobri os mais variados destinos e histórias destes migrantes. Recordo um homem, provavelmente na casa dos 60 anos, que veio das Ilhas Maurícias, no oceano Índico, de onde fugiu da miséria, das precárias condições, na esperança que a Europa lhe abrisse as portas a uma nova vida, mais digna. Contudo, isso não aconteceu, pois vive sob as arcadas do distrito financeiro de Catânia. Apesar de tudo, o que mais me impressionou nas pessoas com quem falei foi o brilho dos seus olhos: sinal duma alegria e amabilidade para mim difíceis de alcançar quando olho o lugar que a UE lhes reservou.

A Itália é, como sabemos, porta de entrada não só para muitos migrantes do Magrebe Médio Oriente, mas também oriundos da África Subsariana (através dos arquipélago das Pelágias, onde encontramos a famosa ilha de Lampedusa). A sua capital é o pacato lugar de Lampedusa: uma cidade piscatória e turística durante os meses de verão que, desde 2014, vive uma grande azáfama causada pelas equipas destacadas pela República Italiana para prestarem auxílio aos que chegam por mar. Em Lampedusa está instalado atualmente o centro de receção de migrantes onde se recolhe o máximo de dados possíveis e se envia as pessoas para diferentes instituições em toda a Itália. As crianças são as mais acompanhadas até aos 18 anos (altura em que deixam de ter a proteção das instituições envolvidas). Então, algumas encontram trabalho como os restantes adultos, outras acabam nas ruas, como muitos que chegam ao território já adultos, por falta de documentação, etc., e outras optam ainda por ir para norte, procurando a sua sorte na Alemanha, ou então voltando para os seus países de origem, por não encontrarem na Europa as condições e a receção que esperavam.
A par da Itália, também a Grécia está hoje a braços com a gestão deste enorme êxodo, mais particularmente na ilha de Lesbos, onde existe um centro de receção idêntico ao de Lampedusa. De qualquer modo, toda a União Europeia está hoje debatendo-se com a integração de milhares de migrantes nas suas populações, e, inclusive, após os acontecimentos de 2015, o Reino Unido considerou não poder gerir esta crise, o que conduziu o país à secessão e rompimento do tratado que realizou com a antiga CEE em 1973 — a par da maior liberdade económica que o país procura em relação à UE. Os refugiados são também arma de arremesso político dentro da UE: veja-se o caso da tensão Bielorrússia/Polónia — após ser sancionado pelas suas políticas pouco democráticas, o líder bielorrusso, Lukashenko, enviou milhares de refugiados do seu país para a vizinha Polónia, com a qual faz fronteira ao norte, situação que fez com que a Polónia se lançasse na construção dum muro ao longo das fronteiras com a Bielorrússia, para impedir que a vaga de refugiados de guerra entrem no país.

Estas pessoas que fogem da guerra e da miséria nos seus países são assim por vezes tratadas como uns joguetes nas mãos dos membros da UE, o que a mim me envergonha enquanto cidadão europeu, não estando a Europa a dar o exemplo: fechando as portas a quem nada tem e assumindo posições neofascistas, neonazis em relação ao tema, como é o caso da Áustria. Vemos assim que a crise de refugiados não é um problema de menor e abala as instituições ao ponto de exacerbar demónios políticos e vontades que vimos atuar no século passado, que durante anos estiveram adormecidos, quase como que esquecidas, mas que voltam agora à ribalta e ao assunto do dia. Por isso deve a questão dos migrantes ser tratada pelos governantes “com pinças” e, como é o povo que faz a democracia, deve proceder-se à sensibilização das massas, começando pelas camadas escolares — escolas básicas, liceus, faculdades, para a sensibilização para a questão da UE abrir as suas portas a cidadãos que nada têm de diferente dos europeus na sua essência: o facto de serem também seres humanos dotados de direitos.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Ricardo de Sousa Carmo
Editado por: Filipe Ribeiro