Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o deputado André Ventura e o partido CHEGA foram condenados pelo crime de segregação racial, após perderem o processo judicial contra a família Coxi.

Na causa está a atitude de Ventura, em pleno debate presidencial com Marcelo Rebelo de Sousa, de apresentar uma fotografia do chefe de Estado com uma família, intitulada pelo deputado do CHEGA, de “bandidos”. Evidentemente, a família apresentou queixa junto dos órgãos de justiça e, desde então, têm sido mal sucedidos os constantes recursos que o partido pede para tentar sair bem na fotografia no combate às minorias acima da lei.
No dia 6 de dezembro de 2021, o acórdão do STJ pôs um ponto final no desentendimento do CHEGA e de Ventura com o ordenamento jurídico português, confirmando a condenação dos mesmos por segregação racial, ao mesmo tempo que declarou “inadmissível” os constantes recursos apresentados. A condenação não passou, de uma confirmação de uma sanção já aplicada — nomeadamente o pedido de desculpas público pelo partido e pelo deputado. Os respetivos sujeitos devem, ainda, abster-se de proferir declarações que envolvam a família, cuja violação está sujeita a uma sanção pecuniária compulsória de 5 mil euros por infração.
Todavia, questiona-se o facto de até onde servirão os meios legais competentes, face ao crescente processo de (des)democratização conduzido por um partido cujo discurso balanceia entre o populismo e o oportunismo político, e cujas mãos estão sujas de ações discriminatórias, aos quais a justiça ou fecha os olhos, ou apresenta uma tardia deliberação — neste momento, decorre um processo de análise à proposta de ilegalização do CHEGA, apresentada pela ex-candidata presidencial Ana Gomes, face à suposta violação da Lei nº2/2003 dos Partidos Políticos, em que os partidos racistas ou “que perfilhem ideologia fascista” sejam ilegais.
Não me refiro apenas aos casos em que se discrimina uma deputada e apela-se que esta vá para a sua terra, mas também ao suposto problema que a comunidade cigana tem (baseado em inúmeras generalizações falaciosas), ou o conflito jurídico que a comunidade LGBTQIA+ apresenta ter — todos por quererem direitos, obrigações, condições e oportunidades iguais e justas. O conflito com a comunidade cigana está associado, essencialmente, à presumida dependência destes ao RSI, tendo já prometido, sem detalhes, um plano de “acompanhamento” de ciganos, em que assume a sua indiferença quanto à constitucionalidade ou não do plano. O descalabro nesta falta de consideração de toda a matéria constitucional pode constituir uma bola de neve, que agora pode parecer inofensiva, mas que daqui a uns anos terá proporções absurdas das quais apenas um ponto final não será suficiente para solucionar a impugnação.
Dada as situações supracitadas, e Portugal sendo um dos Estados-Parte da Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, desde setembro de 1982, e do Pacto de Direitos Civis e Políticos, as frequentes ações, tanto do partido como do seu líder, não cessam e a lenta resposta da justiça torna-se gravemente inconcebível.
Infelizmente, o racismo e os episódios de discriminação racial não se cingem, exclusivamente, ao partido e ao deputado. Diariamente, noticiados ou não, tanto a comunidade negra como a comunidade cigana têm o seu quotidiano subjugado por um sistema sociopolítico asfixiante, seja no trabalho, na escola, na sociedade. Como aconteceu com Daniela Gomes, de 33 anos, que trabalhava no aeroporto de Lisboa e foi despedida por denunciar uma injúria racista de uma superior.
Aos dias de hoje (como o episódio enunciado), ainda temos ocorrências que metaforizam a necessidade de uma reforma neste sistema que condena estes indivíduos à alienação e exclusão social, para não mencionar em que sofrem com represálias físicas devido à violência policial. A resposta a esta conjuntura é de elevada emergência, e apela-se a uma reforma social que melhor sirva como entrave a estes acontecimentos descambarem para cenários ainda piores do que observamos durante o século XX. E sabe-se lá quais as futuras comunidades que poderão surgir e constituir um obstáculo ao avanço do CHEGA e dos “portugueses do bem” e caiam numa interminável luta judicial à espera que a justiça se execute.

Pois, pelos vistos, descer a Avenida da Liberdade com cartazes, posters e lonas a dizer “Portugal não é racista”, afirmar que não se revê na resposta antirracista apresentada no Parlamento só por não favorecer verdadeiramente a comunidade discriminada e ter “amigos negros” não assegura nada.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: João Miguel Fonseca
Editado por: Filipe Ribeiro