Uma observação através da História, da Política e da Economia
Toda a história do Homem é um mero fragmento de biologia. Somos uma única espécie por entre milhares de espécies existentes. Assim sendo, encontramo-nos num autêntico circo de feras, onde a luta pela capacidade de existência e a competição dos mais aptos para sobreviver se eleva exponencialmente.
A pandemia de SARS-CoV-2, também denominada de Covid-19, tem como possível origem a cidade de Wuhan, na China, no mês de dezembro de 2019. Apesar do primeiro caso oficial de Covid-19 ser relativo a um doente hospitalizado no dia 12 de dezembro de 2019 em Wuhan, as opiniões dos vários investigadores são divergentes quanto à origem e data correta do início do surto. O que é certo é que após o primeiro caso reportado, o vírus disseminou-se para todo o mundo de um modo extremamente rápido e agressivo, provocando uma pandemia, tal como aconteceu nos anos de 1918 e 1919, com a Gripe Espanhola.
Ao encontro desta pandemia, as relações entre Estados moldam-se conforme as necessidades acrescidas para oferecer uma resposta a esta catástrofe global. Partindo de uma visão histórica, os Estados sempre criaram uniões e ligas (como, por exemplo, o Sacro Império Romano-Germânico e a Liga Hanseática), fomentaram tratados e convenções (como por exemplo a Paz de Vestefália, após a longa Guerra dos Trinta Anos, ou o Congresso de Viena, após a derrota da França de Napoleão), de modo a alcançar determinados objetivos em comum. De acordo com a História, grandes personagens históricas transmitiram a ideia de uma união ao nível europeu ao longo dos séculos. Carlos Magno edificou o Sacro Império Romano-Germânico no ano de 800 d.C., ao ser coroado pelo Papa Leão III, tendo como objetivo a construção de uma identidade europeia com base territorial e religiosa, sendo submisso à autoridade papal e tendo como referência a Igreja Católica. Esta unificação trouxe consigo leis impostas a todo o território, a imposição de medidas padrão (como é o caso da moeda) e um exército forte que pudesse defender os seus cidadãos e a sua soberania. No fundo, a união, a defesa de ideias e o estabelecimento de objetivos comuns permitiram que o Sacro Império Romano-Germânico prosperasse durante cerca de 1000 anos, até 1806.

Deste modo, de acordo com Soromenho Marques, a ideia de que à unidade cultural dos europeus deveria corresponder uma qualquer expressão de organização política é velha de séculos. Assim sendo, em maio de 1950, 5 anos após o término de uma das mais devastadoras guerras mundiais, dá-se o pontapé de saída para o começo de uma integração europeia, aquando da criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) através da Declaração Schuman. Os governos europeus, face a tamanha ruína após o fim da Segunda Guerra Mundial, decidem que é necessário evitar a repetição de uma guerra tão terrífica quanto a que havia acontecido, chegando à conclusão de que a produção de aço e de carvão tornaria uma possível nova guerra entre os países rivais, Alemanha e França, ‘’não só impensável, mas materialmente impossível’’ (Declaração Schuman). Por outro lado, a polarização do domínio mundial entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) afirmava a necessidade de uma hegemonia europeia que pudesse fazer frente a esse duelo essencialmente científico. Assim, abarcando os interesses comuns sociais, políticos e económicos, o nível de vida europeu melhoraria consideravelmente e a Europa tornar-se-ia num continente unido. A Europa tornou-se num continente tão unido que, partindo de uma união de quesito económico, a sua evolução deu-se de tal forma que a Comunidade Económica Europeia (CEE) transforma-se numa organização com os mais variados domínios de intervenção, tais como a justiça, o ambiente, as relações externas e de cooperação, a segurança e a saúde, refletindo a sua expansão através da mudança de nome, que em vez de ser CEE passa a ser denominada de União Europeia (UE).

Após um dos mais longos e duradouros períodos de relativa paz mundial, enfrentamos agora uma guerra distinta das anteriores: uma guerra onde não existe lugar para onde fugir nem sítios para nos escondermos e onde o remédio mais eficaz é simplesmente aguardar, solenemente, pela passagem de um longo e lento comboio, acreditando na ciência.
A pandemia alterou totalmente a face da Europa, diminuindo a liberdade e erguendo muros e barreiras, demonstrando uma completa falta de unidade europeia e a quebra de pilares fundamentais da UE (através de determinadas políticas, como o encerramento de fronteiras, a redução de exportações entre países, os perigos levantados relativamente às democracias, como o caso da Hungria), verificado através das respostas divergentes oferecidas pelos Estados membros. Verificam-se diferentes respostas consoante os interesses nacionais estatais e os governos continuam a priorizar os seus próprios interesses em detrimento dos outros Estados da UE, mesmo que isso signifique a inexistência de empatia, humanismo e solidariedade face a países pertencentes à mesma união. Um exemplo dessa falta de solidariedade confirmou-se quando a República Checa, a França e a Alemanha colocaram limites à exportação de equipamento médico de proteção, mesmo tendo em conta que existia extrema necessidade desse mesmo equipamento noutros países membros. Segundo Anderson, McKee e Abel-Smith, esta situação faz recordar o que aconteceu durante a pandemia de H1N1 em 2009, em que se registou o mesmo egoísmo e interesse próprio quando vários países rejeitaram partilhar vacinas e antivirais com outros países, armazenando-os acima do seu limite.
A falta de eficácia a nível do planeamento e da estratégia de saúde demonstram que a UE não se encontrava, de todo, preparada para a eventualidade de uma crise humanitária deste género, mesmo tendo em consideração os vários avisos que foram lançados ao longo dos anos. Nos anos de 1980, Edwin Kilbourne, um dos mais reconhecidos e principais investigadores de vacinas contra a gripe espanhola, participou numa conferência em Long Island acerca de ‘’Vírus Geneticamente Modificados e o Ambiente’’. Nessa conferência, Kilbourne apresentou a possibilidade de, futuramente, um vírus terrível assolar o mundo. Esse vírus mutante ‘’teria a estabilidade ambiental do poliovírus, a taxa elevada de mutação do vírus influenza, a gama irrestrita de hospedeiros do vírus da raiva e o potencial de longa latência do vírus do herpes. E seria transmitido pelo ar e replicado no trato respiratório inferior, como a influenza, e inseria os seus próprios genes diretamente no núcleo do hospedeiro, como o HIV.’’.
Ninguém poderia adivinhar o que sucederia. No entanto, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a pandemia poderia ter sido evitada (ou, pelo menos, ter sido reduzido o seu impacto) caso tivéssemos agido mais rapidamente. Tal como disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS desde 2017, “a 30 de janeiro de 2020 foi declarada a emergência sanitária global sobre a disseminação de um novo coronavírus. Naquele momento, fora da China, havia menos de 100 casos de covid-19 e não havia mortos”. Existiu assim uma pequena janela temporal em que, talvez, tivesse sido possível amenizar toda a situação, sendo esta impossível face à falta de coordenação e cooperação entre os Estados.
Assim, enquanto o egoísmo e a falta de humanismo persistirem, a União Europeia continuará a ver os seus pilares basilares hegemónicos a colapsar dia após dia, criando cada vez mais divergências entre os países pertencentes a esta união, aumentando o risco de a mesma colapsar brevemente. Enquanto a UE colapsa no seu próprio jogo de dominó, do outro lado do globo terrestre surge quase que silenciosamente uma nova ordem global, com o aparecimento da China na denominada pole-position. A China tem sido dos poucos países a alcançar um importante crescimento económico e financeiro, mesmo após o fracasso na resposta inicial à pandemia. Entre janeiro e março de 2020 a economia chinesa encolheu em cerca de 6,8%, de acordo com o Gabinete Nacional de Estatísticas (GNE), mas, numa reviravolta sonante, o crescimento económico alcançou o valor de 6,5% no último trimestre de 2020, logo após uma abertura da economia considerada bastante precoce, tendo como termos de comparação outros países como o Japão ou os Estados Unidos da América (que sofriam novos surtos). É deste modo que a China foi a única grande economia a crescer no ano de 2020 e, apesar da pandemia, conseguiu alcançar um valor de crescimento anual de 2,3%. Relativamente ao primeiro trimestre de 2021, a China conseguiu que a sua economia crescesse em cerca de 18,3% face ao mesmo período do passado ano de 2020. A China ressurge das trevas da pandemia, acelerando a caminho de uma nova ordem mundial de domínio chinês. Aquando da pandemia e do aumento de casos exponencial noutros países, Pequim conseguiu ajudar e enviar médicos, mantimentos e outras ajudas necessárias para outros países. Jack Ma, bilionário chinês e fundador da plataforma Alibaba, conseguiu doar cerca de 1 milhão de máscaras faciais e 500 mil kits de testagem à Covid-19 aos EUA, assim como ajudou também a África ao doar cerca de 6 milhões de máscaras e 1 milhão de kits de testagem aos países desse continente.
A Europa necessita de se reerguer e renovar a confiança da população nos seus pilares fundamentais, tais como a garantia de modelos democráticos e a liberdade. A realidade pura e dura é que esta é uma tarefa relativamente à qual ninguém consegue prever se conseguiremos realizar com sucesso, enquanto membros de uma união desenvolvida, face à necessidade de uma afirmação hegemónica de equilíbrio e salvaguarda dos povos europeus. Talvez necessitemos de uma espécie de novo Plano Marshall contemporâneo e mundial de modo a, primeiramente, recuperarmos tudo o que foi perdido durante estes longos e árduos meses. É de primeira instância reunir o máximo de recursos e financiamento para conseguir desenvolver investigações de ordem médica e farmacêutica, tanto para melhorar a capacidade de proteção das vacinas, como também para produzir medicamentos que ajudem a reduzir os danos provocados pela Covid-19. É fundamental estudar a fundo as consequências que a Covid-19 abarca naqueles que tiveram o infortúnio de ser infetados, assim como desenvolver investigações que consigam fornecer-nos uma visão da próxima pandemia, de modo a agilizar o processo de atuação. É de salientar que este é um esforço intergovernamental, que necessita de elevada cooperação entre Estados, sejam eles do continente Europeu, Africano, Asiático, da Oceânia ou da América.
Em jeito de conclusão do meu artigo, redijo um pequeno ditado popular que se adequa à situação vigente: ‘’aquele que caminha sozinho poderá chegar mais rápido, mas aquele que vai acompanhado conseguirá chegar mais longe’’.
Escrito por: Madalena Caldeira Batanete
Editado por: Joana Horta Lopes