Noruega quer avisos na publicidade que modifica corpos

Uma emenda à Lei do Marketing obriga à marcação explícita de imagens publicitárias que representam corpos de forma irrealista ou manipulada. Estará o problema resolvido?

No início do mês de junho, a legislação que regula a atividade publicitária na Noruega passou a incluir normas que procuram combater o fenómeno da “pressão corporal”. Durante o seu processo de aprovação, a proposta do Ministério da Criança e da Família relembrou o quão presente, impercetível e difícil de combater é e pode ser este fenómeno. Falam de um problema que afeta 85% das raparigas norueguesas e que pode ser provocado principalmente pela publicidade, pela televisão e pelas redes sociais – mas isso não é novidade.

Até agora, na Europa, apenas a França apresentava legislação sobre imagens manipuladas na imprensa e publicidade de moda, em papel e online – desde 2017, todas as peças que incluem modificações da “silhueta” dos modelos através de “softwares de edição” devem estar legendadas com “Photographie retouchée”. Este aviso de transformações em publicidades figura também a legislação de Israel que, em 2013, aprovou a Lei Photoshop, reconhecendo o aumento de casos de distúrbios alimentares nos anos precedentes. Embora de forma potencialmente questionável, a lei tem sido cumprida pelos anunciantes.

Enquanto essas medidas eram aprovadas, o Photoshop lançava a sua 15ª edição e o Youtube reunia tutoriais com milhões de visualizações sobre a “remoção de manchas e cicatrizes” ou transformação corporal. No início da década de 2010 os adolescentes foram apresentados às ferramentas de teeth whitening, wrinkle remover e liquify com o Picmonkey, o Pixlr ou o Picsart e rapidamente viram nascer o Snapchat com os filtros faciais de realidade aumentada. Até aí, a responsabilidade sobre esta falsa perceção da realidade corporal que crescia entre os jovens parecia pertencer em grande parte aos media e os filtros faciais pareciam tão inofensivos quanto uma coroa de flores ou orelhas de coala.

Em 2017, o Instagram lançou a sua ferramenta de filtros faciais e rapidamente optou pela sua democratização – qualquer utilizador ou página pode criar o seu próprio filtro e, no que toca a transformações faciais, apenas a promoção e o encorajamento de “cirurgias potencialmente perigosas” podem inviabilizar a publicação desses efeitos. É, portanto, compreensível a vasta coleção de filtros que retocam o nariz, mudam a cor dos olhos, engrossam os lábios e bronzeiam ou clareiam a pele. Não deixando de ser assustador a lista de filtros que “surgery” e “perfect” apresentam na pesquisa: perfect surgery, beauty refined, model face, perfect eyes, perfect smile e até mom I’m perfect.

Na Noruega, como na França, os anunciantes serão responsabilizados pela publicação de imagens transformadas, e a Vice adianta que esta medida pode ser aplicada a conteúdo próprio das marcas ou que advenha de user generated content de influenciadores ou celebridades, mais conhecido como #pub no Instagram ou no Tik Tok. Contudo, qualquer pessoa continua a poder criar e utilizar qualquer filtro ou efeito de manipulação corporal, desde que não seja para fins comerciais, pois a liberdade de criação artística é um braço musculado da liberdade de expressão e esse não pode ser editado.

Mas será que a responsabilização das marcas pela construção do real pode mesmo ser colmatada por medidas deste tipo? Ou será que a marca que deixaram durante décadas sucessivas se vai perpetuar pelas nossas próprias mãos? Somos agora nós os criadores dos filtros perfeitos, porque somos os filhos da idealização das marcas. E se os pais querem sempre o melhor para os filhos, porque não haveria o filtro de se chamar mom I’m perfect?

Escrito por: Inês Leote

Editado por: Rafaela Boita

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