ISCSPoiler: Estados Unidos vs. Billie Holiday

Billie Holiday podia não ter conhecido a fama. Podia ter nascido, crescido e morrido no anonimato, mas a verdade é que o destino não quis assim e a cantora ficou para a História, sendo agora celebrada num fantástico filme de Lee Daniels.

O cineasta afro-americano traz-nos uma perspetiva daquilo que foi a turbulenta vida de uma das mais influentes cantoras de Jazz, com Andra Day no papel principal, Natasha Lyonne, Trevante Rhodes e a atriz Da’Vine Joy Randolph, bem conhecida entre a Broadway. O elenco reúne-se à volta de uma intensa trama inspirada, naturalmente, em factos reais, com argumento de Suzan-Lori Parks, com base no livro de 2015 Chasing the Scream, acerca do combate às drogas, da autoria de Johann Hari.

Billie Holiday atuando. Fonte: Roy DeCarava

Holiday, nome artístico de Eleanora Fagan Gough, cresceu longe dos cuidados dos pais e aos 10 anos é violada, situação que a marcará para sempre e que procurará esquecer no álcool e nas drogas. Desde jovem prostitui-se para ganhar a vida. É quando é descoberta que tudo muda. De Eleanora, a jovem problemática passa para os holofotes da ribalta e deixa de ser pobre para passar a viver um estilo de vida à medida de qualquer grande estrela americana. No meio de relações tumultuosas com os seus diversos maridos, Holiday escandalizará a América pela sua assumida dependência de heroína, bem como pelo consumo excessivo de álcool e cigarros, que, em conjunto, acabarão com a sua vida precocemente.

Mas antes desse trágico – e esperado – desenlace, Holiday trava uma longa batalha judicial com os tribunais do seu país por protestar contra a violência racial e por posse e consumo de narcóticos, situação que a levará à cadeia durante alguns dias, e que é particularmente explorada ao longo das duas horas de película, dando-lhe inclusive o nome. Holiday representa a voz de todos os afro-americanos, etnia amordaçada pelo lobby branco governante na América dos anos 50. O filme estende-se maioritariamente entre as décadas de 40 e 50 e explora a questão dos linchamentos levados a cabo pelo Ku Klux Klan no sul do país, região rural e cintura histórica habitada pela população negra.

Holiday protesta através da mítica canção Strange Fruit, que descreve precisamente os enforcamentos de que os negros do sul eram vítimas. Com uma série de cenas intensas ao longo do filme, este mostra-nos bem a dura realidade muitas vezes invisível aos olhos do público e relembra-nos de que os artistas, apesar de estarem num patamar estratosférico, são tão humanos quanto nós e sofrem das mesmas angústias, muitas vezes até agudizadas por conta da enorme exposição e escrutínio de que são alvo.

Andra Day no papel de Billie Holiday. Fonte: The United States vs. Billie Holiday (2021)

Esta obra chega pois em boa altura, agora que se fala tanto da questão dos direitos dos afro-americanos em particular nos Estados Unidos da América, questão amplamente explorada e envolta num enredo de violência, álcool, drogas e sexo; apesar de toda esta problemática, no fundo aquilo por que Billie lutou toda a vida foi a basilar questão dos direitos humanos, muitas vezes esquecida no país que é a primeira democracia da História. O legado de Holiday continua e a maravilhosa interpretação de Andra Day não passou despercebida à crítica, tendo arrecadado já este ano o Globo de Ouro de melhor atriz em filme dramático, estando também indicada como uma das possíveis candidatas ao Óscar de melhor atriz no papel principal na cerimónia de 2022.

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Escrito por: Bernardo de Sottomayor

Editado por: Júlia Varela

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