No vigésimo primeiro ano do vigésimo primeiro século, importa recordar os primeiros passos do feminismo em Portugal e qual tem sido o papel da mulher na política nacional ao longo do tempo. Destacamos três grandes figuras da nossa História recente: Carolina Beatriz Ângelo, Natália Correia e Maria Velho da Costa. Cada uma delas à sua maneira, lutaram para dar voz às mulheres em Portugal, abalando regimes e criando inimigos, sempre numa tentativa de se progredir no campo da igualdade de género.

Carolina Beatriz Ângelo foi a primeira médica cirurgiã em Portugal, mas ficou para a História como a primeira mulher a votar no nosso país. Era membro da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas – fundada em 1908 por António José de Almeida e Ana de Castro Osório -, de que faziam também parte, por exemplo, Virgínia da Fonseca, Domitila de Carvalho, ou mesmo Elzira Dantas Machado (mulher de Bernardino Machado e Primeira Dama de Portugal), quase todas escritoras ou jornalistas,
Feministas são progressistas e como tal são republicanas – são mulheres modernas e não a favor do velho sistema monárquico português do início do século XX, conservador e decrépito. É neste contexto que Beatriz Ângelo pretende votar para a eleição da Assembleia Constituinte, mas é impedida (ironia das ironias!) por António José de Almeida, Ministro do Interior e fundador da Liga das Mulheres Portuguesas. Beatriz Ângelo vê-se assim obrigada a recorrer aos tribunais e é o pai de Ana de Castro Osório, o juiz responsável pelo caso, que lhe vai conceder autorização para votar.
O facto é que a lei eleitoral nada referia acerca do género dos eleitores, referindo apenas algumas condições que Carolina verificava – a lei exigia que os eleitores fossem maiores de 21 anos ou chefes de família – Beatriz Ângelo era maior de 21 anos e chefe de família, uma vez que era viúva, e tinha uma filha a seu cargo. E assim se fez história: há 110 anos Beatriz Ângelo era a primeira mulher a votar em Portugal. Chegaram então ao país repórteres de todo o mundo para entrevistarem a protagonista de tal ato, inédito em toda a Europa do Sul. Apesar disto, dois anos mais tarde, em 1913, a lei eleitoral é alterada de maneira a que apenas os homens possam votar.

Durante o Estado Novo surgem duas mulheres que se vão destacar: Natália Correia e Maria Velho da Costa. Natália Correia, a eterna poeta da boquilha, que nos anos 60 foi a Tribunal por devassa da moral pública devido ao seu espírito subversivo e inconformado. O seu livro Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica não caiu bem junto da opressiva sociedade da época – concluímos daqui que poetas fazem a revolução. Natália, que dizia ser poeta e não “poetisa”, num claro ato de emancipação feminina, ficou conhecida pelo seu espírito livre e por pensar fora da caixa num Portugal altamente castrador, mas também pelas tertúlias que protagonizava na sua casa da Rua Rodrigues Sampaio, paralela à Avenida da Liberdade, que se tornaram nas mais famosas da capital nos anos 60. Contavam ainda com a presença de ilustres de todos os quadrantes da sociedade, todos eles de Esquerda, em conspiração contra o regime vigente – escrever era visto como um ato de liberdade.
E, como já referido anteriormente, foi a escrita que conduziu Natália ao banco dos réus – Natália e não só, pois lá se encontrava também o editor da obra, dono das publicações Afrodite, o igualmente irreverente Fernando Ribeiro de Mello, portuense radicado na capital que se aliou à poeta para abalar Lisboa com literatura picante.

Já nos anos 70, volvida a Revolução de abril e consequente mudança de regime, dão-se as primeiras eleições livres em gosto de 1975, ocasião em que todos os cidadão portugueses maiores de 18 anos puderam exercer o direito de voto pela primeira vez em meio século. Nos anos 80, Natália Correia é eleita deputada à Assembleia da República, onde fez discursos que ficaram famosos pela ousadia com que eram proferidos – a poeta usava da sua excelente capacidade de oratória para se bater pela causa que a movia: os direitos das mulheres e o seu lugar na sociedade portuguesa, pois que a revolução não resolveu tudo.

Maria Velho da Costa, escritora portuguesa, ficou famosa em 1972 aquando da publicação de Novas Cartas Portuguesas a três mãos, com a colaboração de Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta – a obra das “Três Marias”, como ficaram conhecidas. Veio para abalar o regime de Marcello Caetano, na medida em que expunha os esqueletos que Portugal pretendia esconder da cena internacional, nomeadamente o reduzido papel da mulher na sociedade portuguesa, expressando ainda o desagrado face à guerra colonial que na época da publicação se arrastava já havia onze longos anos.

A obra trata-se portanto de um grito de emancipação feminina e, (surpresa das surpresas!), conduziu as suas autoras ao banco dos réus, tal como sucedera a Natália Correia alguns anos antes – as três não sofreram consequências de maior, porque entretanto rebentou a revolução que viria a alterar os destinos de Portugal até aos nossos dias. Apesar de todos os progressos já alcançados, é sabido que a luta das feministas não acabou, uma vez que há ainda uma série de parâmetros por equilibrar a fim de se alcançar a igualdade entre homens e mulheres.
Escrito por: Bernardo de Sottomayor
Editado por: Gabriel Reis