O Política (NÃO) Importa é um projeto desenvolvido de jovens para jovens, com o objetivo de informar sobre a política e as diversas formas de participar nela, de modo a combater a abstenção que se verifica em Portugal, e de despertar o interesse para um assunto que mexe com as nossas vidas. O projeto está presente nas redes sociais como Instagram e Facebook onde mostram a sua missão e o seu trabalho.
Numa conversa com Simão Pedro, de quem partiu a ideia deste projeto, conseguimos perceber melhor do que se trata o Política (NÃO) Importa, que começou com Iscspianos de Relações Internacionais, essencialmente, mas que foi depois se expandindo, sendo considerado um projeto que pretende não deixar ninguém de fora.
Como surgiu o Política (NÃO) Importa?
Em 2019, nas eleições europeias, foi a primeira vez que votei. Era a primeira vez que ia participar ativamente na política no sentido de voto, porque há outras formas de participação, mas no sentido de voto era a minha primeira vez e estava bastante entusiasmado. Cheguei a casa ao final do dia e comecei a perceber que a abstenção ia bater recordes. Quase 70% das pessoas nesse dia decidiu não ir votar, e aí foi o primeiro “abre olhos” de que se passava alguma coisa e que era preciso “meter as mãos na massa”. Isto porque 70% significa que, numa analogia muito simples, em 10 pessoas, apenas 3 decidiram sobre aqueles que representariam o futuro que querem, ou seja, existe uma falta de vontade, informação, ou falta de qualquer coisa que está a impedir as pessoas de exercer o direito de voto.
Então nesse sentido eu pensei logo em criar um projeto que se destinasse mais aos jovens, porque apesar de existir o regulamento de proteção de dados, ou seja, os votos não são distribuídos por idades, nem por nomes, porque existe o secretismo associado ao voto, há muitos estudos que dizem que a camada jovem é a camada que mais se abstém. Nesse sentido tive a ideia de criar um projeto ou de arranjar alguma forma de ter uma mudança relativamente a esse assunto, mas ainda estava na licenciatura, portanto acabou por ficar em standby.
Acabei a licenciatura em junho de 2020, e decidi juntar colegas do meu curso, alguns da minha turma até, e decidimos pôr “mãos à obra” e criar o projeto. Assim criámos o Política (Não) Importa e começámos a alargar a equipa. O objetivo era sempre conseguir convencer os jovens, aqueles que estão a começar, entre os 17 e 18 anos, e aqueles que já começaram a votar, mas que ainda não têm certezas, entre os 18 os 19 anos, para que eles tivessem noção do quão importante é a participação deles, o valor que a voz deles tem e que o voto deles tem na nossa sociedade e na nossa política. Portanto, é uma forma de jovens falarem com jovens e de lhes dizer onde é que podem agir, como é que podem agir e porque é tão importante que ajam e que não deixem a escolha para outras pessoas, acho que é algo que nos distingue. Não é nenhum professor a falar com os seus alunos, nenhum deputado e nenhum titular de cargo público a falar com cidadãos, estamos a falar de jovens a falar com jovens, que usam a sua linguagem, que os compreendem, que vivem na mesma geração que eles, e que podem compreender melhor do que uma pessoa com mais idade, outro tipo de experiência, que já trabalha. Acabamos por provocar um bocadinho no sentido de nos cativar enquanto geração.
O que é que o vosso projeto acrescenta aos que já existiam pelas redes sociais de jovens, ligados também à política?
Em primeiro lugar, uma das coisas que achámos quando criámos era que havia falta de contacto direto com jovens. Por exemplo a cidadania, neste momento, é obrigatória, relativamente aos alunos do secundário, mas os próprios professores não têm formação para isso e têm dificuldade em passar essa mensagem. A verdade é que não vemos nenhuma outra estrutura, nenhuma outra organização que se encarregue disso e procure colmatar. Então pensámos que era uma área onde havia falta de atuação.
Nas redes sociais existe bastante consciencialização, existem bastantes páginas, bastantes grupos que procuram que os seguidores e os internautas tenham mais conhecimento sobre a importância do voto e da política, de coisas tão básicas como aquelas que nós falamos, mas depois no presencial isso não se transpõe.
Infelizmente a pandemia troca-nos um bocadinho as voltas, mas o nosso eixo é muito mais presencial que online. As redes sociais são importantes, pois em primeiro lugar permitem passar a mensagem e em segundo lugar permitem dar credibilidade ao mostrarmos o que estamos a fazer, para que jovens queiram juntar-se, queiram saber mais, queiram ouvir-nos. No entanto, o nosso objetivo principal é sempre ir às escolas, falar com os jovens, sessões que vão dependendo das escolas, dos professores e dos alunos, onde nós falamos com eles, apresentamos dinâmicas um pouco mais interativas para que percebam como podem participar, e, no final, ficam sempre com os nossos contactos, até para fazer parte do projeto. Qualquer pessoa pode fazer parte, este projeto também se distingue nesse aspeto, é aberto a toda a gente, qualquer jovem que decida entrar. Ainda há pouco recebemos um e-mail de um jovem que leu uma entrevista num jornal regional do Algarve e quis juntar-se a nós. Vai ser integrado, vai fazer parte do projeto, e isso é outro objetivo, que ninguém fique de fora.
Nós temos um setor que é muito importante que são os embaixadores, que fazem parte do projeto no sentido que têm a responsabilidade de divulgar, fazer comunicação e a ponte com as suas escolas e universidades e qualquer um pode fazer parte.
De norte a sul do país nota-se que existe muito essa vontade, os pedidos têm sido bastantes, tanto de jovens como de professores, que sentiam necessidade disto, e quando nos abrimos ao público tivemos logo uma resposta avassaladora, muitos estudantes e professores mandaram e-mail, porque de facto não existem ferramentas, não existem formas de transmitir informações tão importantes como estas e isto seria uma salvaguarda ou uma opção para tentar transmitir isso. Acho que é isso que nos distingue, é o presencial, o contacto direto com os jovens, e é a linguagem, o bem-estar. Estamos a falar de jovens para jovens, a mesma geração, com futuros pela frente, por vezes as mesmas ansiedades.
A pandemia trocou muito as voltas, já puseram algo em prática no online para tentar ultrapassar as adversidades, ou aguardam pela possibilidade do presencial?
Havia uma primeira escola marcada, era suposto ser dia 25 de janeiro, só que entretanto já estávamos interditados novamente. Nós dizemos sempre que o online nunca substitui o presencial, por uma razão muito simples, não se foca tanto a atenção, se forem jovens pouco interessados é muito mais difícil de captar a atenção no online que no presencial, até mesmo pelo à vontade, nós somos animais sociais e nós precisamos do contacto uns com os outros e só nos sentimos mais provocados assim. O zoom é uma excelente ferramenta que permite que não paremos completamente e possamos continuar a fazer as nossas atividades de forma diferente, mas tem as suas desvantagens, ligadas então à captação de atenção.
Agora claro que há sempre forma de nos adaptarmos, tentarmos não baixar os braços e fazer alguma coisa para que preencha este tempo enquanto não há presencial. Há duas semanas uma associação de estudantes da Escola Secundária de Miguel Torga, pediu para fazer uma live na página connosco, e fizemos, respondemos às perguntas. Já se fez uma live também com a Universidade Católica do Porto, no passado dia 12 de fevereiro fizemos parte de uma conversa com o Fórum ADN, um clube numa escola secundária em que os jovens se juntam para discutir assuntos importantes e interessantes, como por exemplo a política.
Estamos ainda a preparar uma espécie de pacote que implica uma sessão online, agora durante este confinamento, e depois a segunda parte que já será presencial, quando for possível. É uma forma de não parar de vez e não deixar que o confinamento estrague tudo aquilo que poderia estar a acontecer.
Quanto à abertura da equipa, acham importante ter mais pessoas de diferentes backgrounds na equipa?
Completamente, temos colegas de Relações Internacionais, Ciência Política, Economia, Gestão, outros estão a tirar cursos que não estão diretamente ligados a áreas de política, e isso desde início foi uma prioridade, não só ser diversificado a nível de região como de formação, pois a política é local, nacional e regional, todos nós temos experiências diferentes e todos nós, jovens, temos convivências diferentes de acordo com a região e com o contexto onde estamos. Portanto é importantíssimo que fossem jovens mais diversificados de região, mais diversificados de plano de estudos, eu digo isto no sentido do que vejo e da minha experiência.
É muito mais importante que um aluno que não tenha estudos políticos ou estudos sociais, tenha vontade de aprender, do que um aluno que já tenha esses estudos, porque são dados pela formação. Tendo formação em ciências sociais, estou mais desperto para este assunto, porque o meu curso tem unidades curriculares que me despertaram mais para esse assunto. Agora um aluno que esteja a tirar, por exemplo, engenharia, economia, não está tão desperto, ter essa vontade de estar desperto é o primeiro passo para que essa pessoa faça parte, perceba qual é o seu papel, e pode até influenciar jovens a fazer parte desta comunidade política. O facto de ter oportunidade de participar neste projeto também nos abriu horizontes, também nos abriu essa capacidade de criticar, de ser mais responsável enquanto jovem, cidadão e geração. A nível de região também é importante ser disperso, por exemplo, no interior a política também é uma ferramenta que temos para combater o esquecimento desta zona ou a desigualdade regional, portanto se houver jovens de diversas formações e campos regionais é importante e mais eficaz.
Em relação ao mundo digital, tiveram partilhas de influencers, nomeadamente a Mafalda Sampaio, conhecida por Maria Vaidosa, o Bispo e outras personalidades deste mundo e do conhecimento de jovens. Que impacto achas que os influencers podem ter em divulgar estas páginas e ser mais ativos politicamente?
Confesso que não sou a melhor pessoa no mundo digital, mas aquilo que vejo é que os influencers têm uma capacidade de modificar alguns comportamentos, que é estrondosa, arrisco-me a dizer que é um pouco assustador, como às vezes nós jovens nos seguimos tão cegamente por pessoas com grandes comunidades de seguidores. Portanto às vezes perdemos um bocadinho a nossa opinião e visão, e adotamos a de outros que consideramos como personalidades de referência. Não que essas personalidades tenham uma opinião incorreta, opiniões são opiniões, agora se de facto existe esse fenómeno, então acho que a grande responsabilidade de influencers devia de ser de incentivar, de provocar os seus seguidores, a sua comunidade, a adotar uma postura crítica, não se deixar influenciar e verem o mundo dos seus próprios olhos.
Esta relativização quanto a opiniões de influencers por parte dos jovens é muito visível através de projetos que surjam, que podem ter os maiores, mais nobres e mais respeitosos objetivos, mas podem não ganhar fama, conhecimento ou credibilidade para ter impacto porque não existe influências ou personalidades de referência que olhem para aqueles projetos. Talvez eu, como jovem, até posso passar por esse projeto nas redes sociais, mas como não vejo muitos seguidores, não vejo pessoas de referência do mundo digital a seguir esse projeto, descarto logo essa opção, e às vezes estamos a descartar trabalhos que têm como objetivo melhorar e informar, mas como não somos críticos a nível pessoal estamos sempre à espera de receber credibilidade através de um influencer.
Agora claro que isto é um problema da geração digital, de não ter mais pensamento crítico próprio, no entanto, os influencers podem ter a capacidade de abrir a mente e agitar um pouco essa geração digital, dizerem para verem por vocês, exerçam os vossos direitos, exerçam os vossos deveres, e, portanto, façam parte da sociedade da forma que faço. Quando o influencer tem esta atitude acho extremamente benéfico, porque está a apelar a esta cadeia de seguidores que tenham no final do dia uma opinião individual e exerçam eles mesmos as suas influências. Nós conseguimos influenciar, somos influenciados, e os influencers são provas disso, e também todos nós conseguimos influenciar se dermos valor conseguimos ser “mini influencers” e assim projetos bons podem ser mais vistos.
Mas há um problema. As pessoas têm toda aquela excitação das redes sociais, do futuro e é importante agir, mas depois passam as presidenciais e a política fica arrumada num canto e só se volta a falar nas próximas eleições. A política é assim muitas vezes transformada num movimento de conscientização pontual, num movimento de querer influenciar as pessoas, mas depois no dia a seguir às eleições esquecem-se da política. Ao final do dia política é tudo aquilo que nos envolve, tudo aquilo que nos regula e nos orienta, as nossas relações, nós e o nosso espaço, nós e os nossos representantes, onde trabalhamos, é tudo regulado por política. Tudo tem política por trás independentemente de ser direto ou indireto, e, portanto, esquecer a política de eleição em eleição é um pouco injusto e irrealista. Na verdade, parece que estamos a fugir da nossa responsabilidade, porque já exercemos o nosso direito de voto, mas a participação política pode ser feita de várias formas diferentes. O voto é definitivamente uma das mais importantes, é uma ferramenta universal, quase de audição da população que diz a solução que quer e o melhor para o seu país e comunidade, no entanto, existem mil e outras formas de participar na política de moldar a sociedade através de, por exemplo, petições, assembleias municipais, gerais, tudo isso são coisas extremamente importantes e que os jovens não usam infelizmente, muitas vezes porque não sabem como funciona ou porque já não é um assunto do dia.
A curto prazo não tem o mesmo efeito que a longo prazo, falamos de um problema estrutural, não podemos colmata-lo com movimentos digitais a curto prazo, mas educação cívica a longo prazo e isso passa por garantir que as pessoas percebem que a política está no dia a dia, não só nas eleições, e os direitos e deveres não se cumprem só nos dias eleições, e os influencers também podiam ter um papel nisso. O mundo digital é muito gerado pelo que as pessoas querem saber, mas às o que as pessoas querem saber nem sempre é o que deveriam de saber. Ninguém gosta de levar um puxão de orelhas porque não cumpriu o seu dever, mas nós só podemos nos tornar melhores se houver responsabilização, mesmo que não gostemos ao início.
Um dos maiores males da nossa geração é o comodismo e o conformismo, nós acomodamo-nos de tal forma que quase que deixamos de querer assumir uma posição enquanto cidadão sobre o futuro da nossa sociedade, porque o futuro da nossa sociedade é também o nosso futuro, ninguém consegue um mundo melhor sozinho, faz parte de nós todos os dias e temos de abanar esses conformismos e comodismos para entrar numa onda ação a longo prazo, que nos permitam evoluir e não deixar só que os outros decidam por nós.
Escrito por: Rafaela Boita
Editado por: Gabriel Reis