A pandemia veio alterar o panorama mundial em todos os aspetos, mas nem tudo é mau e há que retirar algumas lições. Há que celebrar as pequenas coisas da vida na hora da morte e deixar as nossas almas viajar por onde o corpo não consegue. Pete Doctor e Kemp Powers dão vida a esta ideia num filme da Pixar Disney que veio reconfortar o natal de muitos: Soul – Uma aventura com alma.

O filme da Disney Pixar conta, pela primeira vez, com um protagonista negro, Joe Gardner (Jamie Foxx), um aspirante de música jazz que dá aulas para se sustentar. Quando a vida parece sorrir-lhe com uma grande oportunidade de seguir o seu sonho, cai numa tampa de esgoto na rua e é teletransportado para um lugar onde luta pela sua sobrevivência. Nesta sua aventura junta-se à ingénua alma 22 (Tina Fey), que não só lhe mostra as incríveis possibilidades que a vida oferece, como descobre respostas a muitas das questões da existência de ser humano.
Quando o filme terminou, ao som de Trent Reznor e Atticus Ross, dei por mim a olhar para o nada, um nada que se tornou tudo. A realidade paralela entre a vida e a morte criada pela Pixar, o “Grande Além”, arrasta consigo os espectadores para uma análise introspetiva do mundo das almas, acompanhada por uma banda sonora diferente e de qualidade.
Esta maravilhosa banda sonora que acompanha o desenrolar do filme, confere-lhe um carácter ainda mais especial: no mundo real fazem-se ouvir os sons de jazz compostos por Jon Batiste, que se relacionam mais com a vida e com a cidade, um ritmo mais agitado que serve de elo de ligação do protagonista à vida; já no “Grande Além” viajamos ao som de composições de Trent Reznor e Atticus Ross, que nos transportam para um lugar mais pacífico e ambíguo, propenso à auto-análise.
O filme mostra-nos que aquilo que, por vezes, ambicionamos e tanto trabalhamos para alcançar nem sempre nos traz a felicidade esperada: Joe esforçou-se tanto para não morrer, disse palavras cruéis a 22 e focou-se tanto na música, que quando finalmente consegue concretizar o seu sonho não sente nada. Às vezes as coisas traçam-se por caminhos diferentes e não há nada de errado nisso. Às vezes exigimos demasiado de nós, movemo-nos por propósitos e não pela essência da vida e esquecemo-nos que não vale de nada querer tudo já. Se sonharmos tudo agora, o que nos resta mais tarde? A valorização, a felicidade e o propósito de viver começam nas mais pequenas coisas. O resto são acréscimos.
Esta dicotomia entre o ser e o ter, esta aparente incompatibilidade entre a personalidade de Joe e a alma 22, tornam este filme diferente do habitual Inside Out. Na verdade, todos nós já nos sentimos sem rumo, como todos nós já lutámos muito por algo. Todos nós já desejámos regressar à normalidade e, em simultâneo, fugir dela.
Embora os mais novos possam não entender inteiramente a complexidade do filme, é gratificante perceber que há um esforço para que mensagens como estas tentem ser passadas de forma animada e engraçada aos mais pequenos. No final de tudo, resta-nos apenas “Jazzing”.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Maria Santos
Editado por: Inês Conde