A falta de ética na mediatização da morte de Sara Carreira

No passado dia 5 de Dezembro, às 18 horas e 50 minutos, um acidente na A1 resultou na morte trágica e prematura de uma jovem de 21 anos. Contudo, a cobertura mediática deste acontecimento foi bastante superior ao expectável num caso como este. Isto porque a jovem vítima era a filha mais nova de Tony Carreira – Sara Carreira.

A CMTV cavou o seu próprio fosso quando interrompeu a emissão do programa “Liga D’Ouro” para dar a notícia de que esta jovem tinha falecido: “Meus senhores, vou ter de interromper a vossa conversa, para dar um alerta CM”. Assim começou o direto, com a intenção expressa de não revelar a identidade da vítima para não alarmar a família, que poderia ainda não estar a par do acontecimento. Porém, o primeiro tiro no pé, foi disparado com a informação de que várias figuras da música estavam reunidas no Hospital de Santarém – fazendo, desde logo, referência a que seria alguém deste meio. Para além disto, Ana Boto, que conduziu a cobertura do acontecimento e, com a pressa de o fazer em primeira mão, mostrou o carro, os danos e a sua matrícula – identificando os protagonistas, principalmente para a família.

Fonte: CMTV

Segundo o Código Deontológico dos Jornalistas (artigo 10), “o jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos (…) atendendo à serenidade, liberdade, dignidade e responsabilidade das pessoas envolvidas”. Nada disto foi atendido, mas sim contrariado. Começando pela indireta identificação da vítima, passando pela captura de imagens da destruição causada pelo grave acidente e terminando na falta de interesse público destas mesmas informações.

Logo de seguida, todo o espaço é filmado oferecendo à audiência o sentimento de presença no local. A segunda grande falha entra aqui. Ainda que aos olhos do Código Deontológico “os factos devam ser relatados com rigor e exatidão”, o jornalista “deve combater o sensacionalismo” e “proibir-se de abusar da boa-fé de quem quer que seja”. Contudo, quando a jornalista entrevista um membro da GNR presente no local, faz questões como: “O corpo da vítima foi projetado? Quantos metros?”; “Tiveram que desencarcerar o corpo da vítima de dentro do carro?”; “A morte foi imediata?”. Tudo questões a que a entrevistada se mostra relutante em responder, dado a sua falta de fundamento e de necessidade. Já para não falar na quantidade de destroços recolhidos pela própria jornalista, expostos em frente à câmara, como forma de mostrar a gravidade da situação.

Destroços do carro de Sara Carreira.
Fonte: CMTV

Mais tarde, relativamente à questão da proteção de privacidade, a CMTV volta a cometer vários erros. Destaca-se, desde logo, o facto de que na televisão ser dito “não vamos expor a identidade da vítima porque a família ainda pode não estar a par do acontecimento”, no entanto, no site oficial, já se sabia – “Morreu Sara Carreira, filha de Tony, em violenta colisão na A1”. Isto mostra uma falta de coerência entre os vários meios do Correio da Manhã e, simultaneamente, a tentativa de manter um ambiente respeitador perante a vítima e a respetiva família – não tendo sido conseguido pela falta de uniformidade. O que parece interessar realmente são as audiências e ser o primeiro a emitir a notícia – “CMTV: Melhor. Primeiro!”.

Durante mais de 30 minutos, Ana Boto e Francisca Genésio conduzem o direto sempre com a mesma informação e, consequentemente, com inúmeras repetições – tudo para que o pico das audiências fosse mantido. Desde revelarem que conhecem a identidade da vítima (para dar a ideia, novamente, de que são os primeiros), às diversas menções e associações ao mundo da música, e à falta de coerência que, por tanta repetição, acaba por acontecer.

As figuras públicas têm menos espaço de privacidade devido ao seu estatuto. Contudo, tem de existir respeito pelo pequeno espaço que lhes sobra. Não é ético mostrar a forma como morreu uma jovem de 21 anos. Não é ético realçar todos os pormenores trágicos a favor do crescendo de audiências. Não é ético desrespeitar uma família expondo o seu nome e invadindo a sua realidade, com a consciência de que poderão agravar e deixar marcas ainda mais profundas do que aquelas que já serão deixadas. Não foi ético nenhuma parte do trabalho realizado por este canal. “Os jornalistas devem recusar as práticas que violem a sua consciência” (Código Deontológico dos Jornalistas, artigo 6).

Fonte: Álbum Sara Carreira – Metade

Para onde foi a consciência? Onde anda a Entidade Reguladora para a Comunicação Social que visa supervisionar e regular os órgãos de comunicação social? Ninguém é punido perante o constante desrespeito ao Código Deontológico e às leis? Onde está a sensação de pertença a um mesmo Universo onde o respeito tem que ser mútuo e a dignidade respeitada?

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.

Escrito por: Guilherme da Guia e Inês Conde

Editado por: Inês Conde

8 pensamentos sobre “A falta de ética na mediatização da morte de Sara Carreira

    1. Li o seu comentário na integra.
      Deixo algumas curiosidades.
      1. Quantas Saras perdem a vida em acidentes de viação e ninguém lhes dá valor?
      2. Onde fica o segredo de justiça? SIC. TVI, CMTV, RTP ninguém respeita por no M.P. (ministério publico) abrem+se percedentes a troco de €.
      3. A jornalista no local pergunta o que lhe mandam, no entanto, jamais ela ou alguém deve mexer em peças ou objetos espalhados pela via em caso de sinistro, pois podem atrapalhar os calculos de investigação.
      4. Por ultimo onde estão as leis? Refere na sua questão. Saiu uma lei entre outras em 2007 que obriga as companhias de seguro a prazos de pagamento em caso de sinistros. Não cumprem. Veja-se a habilidade que tomaram para declinar a responsabilidade. ” elabore-se um teste de despiste de estupefacientes para sairem ilesos do pagamento.
      Muitas mais há e nada se faz.
      Convido a visitar este site.
      http://www.injustica.pt

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  1. Espero que depois desde momento de profunda dor que ainda os assombra, que tomem as devidas medidas com todos os que ignoraram o seu educado pedido de respeito e privacidade, após assolados por tamanha tragédia! Pela Sara, e por todas as Sara’s a quem uma tragédia destas possa bater à porta no mundo dos famosos.

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  2. Não reconheço a CM como um canal de informação, não é à minha custa que têm audiencia. Considero um canal massacrante, cansativo, extremamente repetitivo e com pouquissimo profissionalismo. Aliás, o resultado está à vista de todos!!! É um canal, para mim e meu agregado familiar, simplesmente repugnante.

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  3. É simplesmente nojenta a forma como exploram, repetem e repetem (por vezes sem sequer saberem falar como deve ser), massacrar e voltam a repetir a desgraça alheia. E neste caso foram mesmo do piorio.
    Deviam ser processados pela família, porque realmente respeito, ética ou qualquer outra coisa semelhante não existiu. Até tentaram filmar o corpo quando estava a ser retirado do carro acidentado. São uns verdadeiros parasitas, um atentado ao jornalismo!

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