Sá Carneiro foi um homem que ficou, não só na História do partido que fundou, o atual PSD, mas também na História do país, pelos seus princípios e pela morte inesperada que ainda hoje gera incerteza e leva à discussão.

Francisco Sá Carneiro, natural do Porto, nascido a 19 de julho de 1934, licenciou-se pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e dedicou-se ao exercício da advocacia.
Em 1969 aceitou integrar as listas de União Nacional pela chamada Ala Liberal, um grupo de deputados que assumia a luta pelas liberdades como prioridade e condição para chegar à democracia. Só depois de uma rutura dessa Ala e a renúncia do Mandato, Sá Carneiro, que denunciara falta de liberdade de reunião e de associação, pedindo a alteração do Código Civil e da organização judiciária e ainda um inquérito às atividades da PIDE e amnistia para crimes políticos antes de sair. Criou, em conjunto com Francisco Pinto Balsemão e Joaquim Magalhães Mota, a 6 de maio de 1974, o Partido Popular Democrata, o PPD, atual PSD.
De 25 de maio a 11 de julho do mesmo ano é Ministro-Adjunto no I Governo Provisório, chefiado por Adelino da Palma Carlos. E ainda, nesse mesmo ano, no I Congresso Nacional do PPD, é eleito Secretário-Geral, a 24 de novembro.
Nas primeiras eleições livres, a 25 de abril de 1975, é eleito deputado pelo PPD que é o segundo partido mais votado, com 26,39% dos votos, o que correspondente a 81 deputados para a Assembleia Constituinte. Por motivos de saúde, suspende as suas funções de Secretário-Geral do PPD de 25 de maio a 28 de setembro de 1975, mas retorna mais tarde, no mesmo ano, no II Congresso. Já no III e IV Congressos é eleito presidente, a outubro de 1976.
No Conselho Nacional de abril de 1977 anuncia que deixa a liderança do Partido por não concordar com a intervenção política que estava a ser feita, regressando meses depois no VI Congresso Nacional à liderança. Em 5 de julho de 1979, com Freitas do Amaral, do CDS, e Ribeiro Teles, do PPM forma a Aliança Democrática que conseguiu a maioria absoluta e Sá Carneiro é chamado a formar o VI Governo.
Na noite de 4 de dezembro de 1980, despenha-se em Camarate o avião em que viajavam para o Porto, o ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa, o chefe de gabinete do primeiro-ministro, António Patrício Gouveia, a companheira de Sá Carneiro, Snu, e restante comitiva. Portugal ficara sem o Primeiro-Ministro naquela noite e muitas suposições se seguiram sobre o seu caminho ou a sua morte. Fora atentado? Como teria sido o caminho de Sá Carneiro se não tivesse chegado ao fim naquela noite?
O relatório da X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate, de 23 de junho de 2015, concluiu que “a queda do avião em Camarate, na noite de 4 de dezembro, deveu-se a um atentado”, mas uma declaração oficial ainda não está feita, fazendo com que a dúvida paire, mas a realidade esteja de certa forma subentendida.
Concluída em 1981, a investigação da Polícia Judiciária ao caso, entretanto prescrito na Justiça, acabou por ficar a tese de acidente por falta de provas em contrário. O Ministério Público arquivou em 1983 e seguiu a mesma linha. Porém, das dez comissões parlamentares sobre o que sucedeu, realizadas entre 1982 e 2011, oito foram claras em apontar que se tratou de um atentado.
Muitos dos factos foram referidos para afirmar que foi atentado, não só devido à presença de bomba, que é conhecida, assim como os seus fabricantes, mas também quanto aos americanos, mais precisamente os Republicanos, que lidavam com órgãos de estado portugueses não muito favoráveis à movimentação de armas para o Irão, como era o caso de Adelino Amaro Costa, Ministro da Defesa Nacional, e do próprio Sá Carneiro. Isto, sendo Portugal um ponto de passagem das armas, atrapalhava interesses dos republicanos relativamente a essa mesma guerra com o Iraque, que tinha reféns americanos e que dava a oportunidade de um possível acordo que detonasse o seu adversário, Jimmy Carter. Porém, não se falou apenas do caso do Irão, mas também de vendas que estavam encobridas para a Indonésia, à Guatemala e Argentina, das quais Adelino Amaro da Costa também queria esclarecimentos, o que colocava um alvo nas suas costas.
Ricardo Sá Fernandes, advogado das vítimas e escritor de “O crime de Camarate” defende que “as provas são tão impressionantes e esmagadoras nesse sentido que é impossível apontar o contrário”. Sá Carneiro terá sido apanhado involuntariamente num crime bombista que “tinha como alvo Amaro da Costa, que estava a investigar os destinos dos dinheiros do Fundo de Defesa do Ultramar”. A certeza absoluta, apenas terão os envolvidos, como afirma.
O irmão de António Patrício Gouveia, Chefe de Gabinete do Primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro e que também morreu no desastre de Camarate, Alexandre Patrício Gouveia é o autor do livro “Os Mandantes do Atentado de Camarate”, onde expõe alguns testemunhos que provam a teoria de que o desastre matou Sá Carneiro não foi apenas um acidente. O autor refere-se à teoria que envolve os republicanos.
No Noite 24 da TVI 24 do dia 3 de dezembro, Alexandre Gouveia referiu que se baseou em dois testemunhos para os seu livro, um assessor do Presidente americano Jimmy Carter, em 1980, e o Presidente do Irão na época, Bani-Sadr, que, sem contactarem um com o outro, constataram que durante o ano de 1980 tinham ocorrido associações secretas entre os representantes do Irão e 5 membros do Partido Republicano. Estas reuniões foram feitas no sentido em que iriam obter um acordo que consistia na libertação dos reféns norte-americanos apenas depois das eleições americanas, porque se assim não fosse, Jimmy Carter, o adversário democrata, ganharia. A promessa feita para este acordo ir para a frente, foi a de um fornecimento de um maior número de armas, que ocorreu. Uma das ditas coincidências interessantes é que 5 minutos após Ronald Regan ser nomeado os americanos foram libertados.
O jornalista Miguel Pinheiro, que também esteve presente no programa, é autor de uma grande investigação que levou à publicação de uma biografia de Francisco Sá Carneiro e explicou que este nem sempre foi uma figura consensual como nos dias de hoje, tendo muito inimigos quando era vivo devido aos seus objetivos políticos.
O especialista lembra que Sá Carneiro pretendia colocar um ponto final com o que “restava do processo revolucionário”, “acabar com a tutela dos militares sobre o poder político” e “liberalizar a economia portuguesa”. Sá Carneiro não era um homem que queria ser “O país do terceiro mundo” como muitos defendiam na época. Segundo o jornalista, queria um país europeu, desenvolvido, que pudesse melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Joana Reis, jornalista da TVI, também presente, destacou a importância de Francisco Sá Carneiro na criação do PPD, o que deu origem ao atual PSD, pois as pessoas aderiam muito em função de admiração por Sá Carneiro.
De facto, Sá Carneiro teria uma postura, que outros na sua época também poderiam ter, pelo menos mais que os políticos dos nossos dias, e que permitia ao povo confiar mais em quem se propõe a representá-lo. Encarar a postura de governar o país como um ato de cidadania, olhando para Portugal em primeiro lugar, e não para os interesses próprios, procurar o que o povo necessita para viver melhor. Isto faz-me convocar uma citação do mesmo:
“Não encaro a política como uma carreira, nem sequer como uma profissão, encaro-a efectivamente como correspondência a um dever de cidadania.” – Francisco Sá Carneiro em entrevista à RDP.
Para terminar deixo a sugestão de um filme, Snu (2019), que começa por nos apresentar Ebba Merete Seidenfaden, a dinamarquesa que se dizia sueca, mais conhecida por Snu, nome que lhe chamavam desde criança. Snu, a companheira de Sá Carneiro, foi fundadora da editora, que de certo estrão familiarizados, a D. Quixote, que publicou livros que desafiaram a censura do Estado Novo. O filme retrata assim a relação de Snu e Sá Carneiro, que abalou convenções nacionais, tendo em conta que Sá Carneiro nunca conseguiu o divórcio e Snu era uma mulher divorciada, algo ainda não muito bem visto na época. No entanto os dois decidiram assumir.

Para além de contar esta história de amor e de nos dar a conhecer um pouco mais sobre Snu, o filme também nos faz relembrar a época, e mostra Francisco Sá Carneiro, não só como político, mas como individuo. O filme é ainda muito particular do ponto de vista cinematográfico. Tem uma construção bem pensada e uma soundtrack interessante, assim como a sua utilização.
Penso que posso dizer que a história de Francisco Sá Carneiro é interessante para qualquer cidadão, pelo menos do ponto de vista histórico. Foi a primeira vez que Portugal teve maioria absoluta e que perdeu o seu Primeiro-Ministro, ainda a exercer funções.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do Desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Rafaela Boita
Editado por: Gabriel Reis