Carolina Deslandes, uma artista de causas, apresentou ontem, em estreia absoluta, “Mulher“, diretamente do Capitólio, em Lisboa. Dia 25 de novembro comemorou-se o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Doméstica contra a Mulher.

Segundo o relatório de monitorização anual de violência doméstica de 2019, da Secretária-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), no ano passado, à semelhança de anos anteriores, este continuou a ser o crime, na categoria crimes contra as pessoas, mais reportado a nível nacional. Representa 34% da criminalidade registada nesta categoria e posiciona-se como o segundo crime que mais obteve registos em Portugal em termos globais, estando apenas à sua frente, o crime de furto.
Dados deste relatório revelam ainda que as forças de segurança receberam 29.473 participações de violência doméstica em 2019, 13.503 das quais na Guarda Nacional Republicana (GNR) e as restantes 15.970 na Polícia de Segurança Pública (PSP).

2020 está a ser sem dúvida um ano atípico na vida da população mundial. Foi durante a pandemia e o consequente isolamento que se tornou mais evidente a importância do trabalho dos artistas no quotidiano e na construção da sociedade em que vivemos. A arte mostrou ser, para além de uma possível forma de evasão da realidade, uma potenciadora de novos sentidos e de novas oportunidades para o dia-a-dia. Os artistas proporcionam momentos de entretenimento que mostram ser benéficos para os indivíduos, numa altura em que a saúde mental começa a ser uma preocupação cada vez maior.
Foi durante o confinamento, em que a população se refugiou do vírus nas suas casas , que o problema da violência doméstica suscitou uma ainda maior sensibilidade por parte da população em geral.
Sendo este crime um tema de grande relevância, a cantora portuguesa, também conhecida pela sua persistência e luta pela igualdade, decidiu apostar num formato diferente do usual. A artista quis que MULHER fosse um projeto que englobasse uma narrativa que abordasse os pontos importantes sobre o que é ser mulher. Deslandes decidiu, em conjunto com o amigo Filipe Correia Santos, realizador da curta, focar-se em Portugal e na cultura que conhece tão bem. A cantora portuguesa refere que queria “(…) escrever uma história sobre uma mulher do interior de Portugal, que mora no país rural e que se casa, que sofre violência e que tem medo de pedir ajuda, por causa do julgamento da igreja católica e da condenação do divórcio seja por que motivo for.”
Esta explicação da cantora revela um pouco da história, em que estão envolvidos temas como a violência, tanto física como psicológica, a religião, a misoginia, o sexo, a injustiça mas, sobretudo, o ser mulher numa sociedade onde, apesar de grandes evoluções no sentido de erradicar a desigualdade de géneros, ainda há uma tendência para a discriminação que resulta em episódios terríveis, como a morte da própria mulher. Carolina acrescenta ainda que o filme é “…basicamente, essa realidade paradoxal, onde não teve ferramentas para poder fugir, e noutra onde teve oportunidades que nunca tinha tido”.
A cantora foi uma das autoras da curta-metragem produzida por Pedro Caldeirão. Maria Manuela, Paloma Rodhner, Bárbara Rodhner, Bruno Schiappa, Filipe Crawford, David Saraiva e Diogo Clemente (ex-cônjuge da artista) são alguns dos atores do elenco. Este último descreve o projeto como uma “peça de referência internacional”.

A artista subiu, esta quarta-feira, ao palco do Capitólio, para apresentar uma série de novos formatos em vídeo e áudio. Primeiramente, Deslandes agradeceu àqueles que ajudaram a materializar o projeto e emitiu um alerta que pretendia acordar as pessoas para o problema da violência doméstica, para que saíssem do Cineteatro mais e melhor informadas e, no melhor dos casos, com a vontade de ajudar. Seguiu-se a projeção da curta metragem com uma duração de cerca de trinta minutos.
Finalmente, a cantora sobe a palco para apresentar pela primeira vez ao vivo, as seis novas canções de “Mulher”. Para surpresa dos espetadores, Carolina Deslandes e o seu guitarrista apresentaram uma música que nasceu dois dias antes do espetáculo, mas que nem por isso deixou de fazer sucesso junto do público do Capitólio. Por fim, “Adeus Amor Adeus” foi a última música ouvida, levando ainda ao palco o Disco de Platina que ganhou recentemente.
“A minha editora veio ao Capitólio trazer boas notícias: O casa é Platina, A Vida Toda é Dupla Platina, o Avião de Papel é ouro e o Adeus amor Adeus também. O meu coração vai rebentar hoje”, escreveu esta quarta-feira na sua página do Instagram.

O MEO é um dos patrocinadores oficiais deste novo projeto, sendo enaltecido no Instagram de Deslandes: “Obrigada ao MEO, por se chegar à frente para defender aquilo que é certo. Por não baixar os braços. É um orgulho fazer parte desta família”. A empresa de telecomunicações surge como amplificadora da causa, usando e divulgando a hashtag #NãoFiqueÀEspera.
Segundo a Universal Music Portugal, os bilhetes para o espetáculo no Capitólio esgotaram num só dia, tendo o valor total da receita acumulada sido revertido a favor da UMAR, associação portuguesa que apoia mulheres vítimas de violência.
Descanse se não conseguiu estar presente. Quatro das novas músicas já estão disponíveis em todas as plataformas de streaming, sendo que as outras duas apenas estão presentes na curta metragem. A decisão de não divulgar estas duas faixas prende-se com a vontade da artista de que as pessoas vejam a obra em formato vídeo, podendo esta ser assistida no MEO Videoclube e também no YouTube.

Fique a conhecer algumas das frases mais marcantes das novas músicas da artista:
TEMPESTADE
“Dizes que eu faço uma tempestade num copo d’água enquanto eu nado na minha mágoa”. Refere o “exagero” que é atribuído à mulher que pede ajuda, relembrando que a violência não é apenas física mas também psicológica.
APETECE
“Hoje eu não penso em mais nada, quero estar errada e fazer o que me apetece”. Apela à liberdade, seja de expressão, seja sexual, para que não haja tabus e para que as mulheres possam viver numa sociedade em que tenham o poder de desejar, sem vergonha, o que quiserem.
VERGONHA NA CARA
“Cuidado com o que compras, guarda isso na gaveta que a revista é cor de rosa para a alma deles é preta”. Carolina caracteriza, na sua página do Instagram, esta música como sendo “o grito que tenho preso na garganta há muito tempo, depois de todas as notícias que têm saído sobre a minha vida pessoal, sobre as minhas opiniões, sobre o meu corpo”. Acusa o movimento mediático de denegrir a imagem da mulher, produzindo conteúdo a todo o tipo de custo.
NÃO ME IMPORTO
“Se queres dar o meu nome à tua raiva, eu não me importo”. Foi a primeira música com exposição nos media, tendo passado esta quarta feira na Rádio Comercial, logo após uma entrevista à artista.
Escrito por: Rita S. Fernandes
Editado por: Mariana Mateus