A frase do título certamente não lhe será estranha. Utilizada por vários adeptos no período imediatamente anterior à pandemia de modo a manifestar um desagrado coletivo face a esta medida, a verdade é que a mesma teve luz verde e prepara-se para vigorar já na próxima temporada. No entanto, são diversas as questões que se colocam relativamente a esta medida, assim como à sua eficácia.

Desde o regresso do futebol que este nunca mais foi o mesmo. Apesar de a bola ter voltado a rolar, as bancadas desertas são agora uma realidade. No entanto, e já a antever o regresso de adeptos aos estádios na próxima temporada, surge o Cartão do Adepto. Em que consiste?
O Cartão do Adepto destina-se a adeptos que frequentem as denominadas Zonas de Condições Especiais de Acesso e Permanência de adeptos (ZCEAP). Por outras palavras, zonas dos estádios habitualmente frequentas por claques ou Grupos Organizados de Adeptos. Constitui uma medida da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD), entidade que irá emitir este mesmo cartão.
Mas será esta medida benéfica e eficaz no combate à violência, ao racismo e a tantas outras coisas que estão a mais no desporto? Em nosso entender, não. Desde logo por conter uma ideia que deve ser considerada discriminatória: só podem requerer este cartão indivíduos com, no mínimo, 16 anos de idade. Assim, esta medida impede qualquer criança de poder levar um tambor, uma bandeira ou até mesmo um megafone para um recinto desportivo, privando-a de fazer parte da tão proclamada “festa do povo”.

Além deste factor, importa desde já contrariar o estereótipo que se criou de que as claques são sinónimo de violência. Tal não é, de todo, verdade. As claques destinam-se, sim, a apoiar as suas equipas recorrendo, para isso, a bandeiras, faixas, megafones e, por vezes, pirotecnia. Não estaríamos a ser verdadeiros se afirmássemos que não existem vários incidentes relacionados com claques, mas também existem muitos que não estão relacionados com as mesmas. Será que é necessária, por isso, toda esta burocracia que visa, no fundo, controlar adeptos que frequentam uma parte específica de um estádio? Deve um adepto estar identificado de modo a poder aceder a uma parte especifica de um recinto?
A verdade é que uma medida que se diz de prevenção ao racismo, à xenofobia e à intolerância, só nos pontos apresentados, já se revela bastante contraditória. É inegável que o Cartão do Adepto cria zonas de segregação nos estádios, rotulando e separando pessoas, contrariando os pressupostos da inclusão (tanta vez proclamados, por exemplo, nas ações promocionais da UEFA). Ou seja, o controlo feito a determinado individuo está baseado na zona frequentada pelo mesmo no recinto desportivo, havendo uma clara distinção em relação aos demais adeptos.

Em suma, se muitos lamentam a falta de público e de coreografias nas bancadas no futebol pós-pandemia, a verdade é que o Cartão do Adepto prepara-se para controlar os principais responsáveis pela criação de um ambiente festivo nas bancadas, sendo que uma das suas consequências poderá ser, precisamente, uma redução drástica no número de espectadores em recintos desportivos (que, em Portugal, é em média bastante baixo). Perante este panorama, conclui-se que o futebol é cada vez menos a festa do povo e cada vez menos um espaço em que impera a liberdade de circulação e de expressão. Tudo isto será condicionado por uma medida que já se revelou falhada em muitos países europeus, mas que mesmo assim será aplicada em Portugal.
Escrito por: Filipe Ribeiro
Editado por: João Rego
Um pensamento sobre “Lá Para Dentro: “Por todos, lançamos o repto: contra o cartão do adepto!””