No passado dia 25 de Maio, no estado de Mineápolis, George Floyd, um cidadão norte-americano de 46 anos, foi retirado de um automóvel por três agentes que o algemaram. Um deles, Dereck Chauvin, com uso de força excessiva, enquanto o prendia contra o chão de bruços (técnica proibida na maioria dos Estados, com algumas exceções como no Minnesota), aplicou pressão no pescoço levando a dificuldades respiratórias. Nos dias de hoje, as imagens finais desse momento já circulam por todo o mundo e todos podem ver e ouvir a agonia de um homem que, no seu desespero, apelava por ajuda dizendo “não consigo respirar…ajudem-me”. O que sentia apenas era a sua cara esmagada contra o alcatrão. Na mesma noite desse dia, depois da chegada de paramédicos, pelas 21:25 horas, George Floyd foi declarado morto. Tudo isto porque, alegadamente, comprou tabaco numa loja do seu bairro com uma nota falsa de 20 dólares… Sem nunca lhe ser dada a oportunidade de se explicar ou defender.
Este caso levou inevitavelmente a revoltas e manifestações, que passaram bem além das fronteiras da cidade de Mineápolis e do Estado do Minnesota. Quem assiste às imagens que circulam nas redes sociais deste caso parece que recua décadas ou mesmo centenas de anos numa altura em que a escravatura era aceite e oficial, onde a opressão pela força reinava sobre quem não podia ter determinados privilégios, fosse pela cor da pele, crença religiosa ou orientação sexual. Felizmente, a história e os contextos sociais evoluem e os deveres, direitos e leis mudam… Infelizmente, o ser humano, por vezes, é estúpido o suficiente para não acompanhar essa evolução.
Analisar este caso pelo furor do acontecimento pode ser um erro, até porque não devemos viver alheios de que se trata de um problema que ainda subsiste ao longo de todos estes anos (depois de todas as “batalhas” feitas), num país (Estados Unidos da América) que no seu ADN tem tanto o melhor lado da luta pela igualdade e equidade de direitos humanos, como o lado mais negro e sangrento desse tópico. Falamos de um país enorme que entre os seus próprios Estados se denotam disparidades enormes quando abordamos contextos sociais. Desde cedo, pelo grande número de imigrantes que entraram nos Estados Unidos da América (vindos da Europa, América do Sul e Central, Ásia e África), o país manteve uma triste tradição de divisão social por raças que se mantiveram até hoje, visível. Visível em grandes bairros sociais que não representam (aquela que devia ser) preocupação de integrar indivíduos na sociedade, mas mais em “pô-los de parte”, nos passaportes americanos onde existe categorias para identificar indivíduos americanos pela “raça” (latinos, africanos, caucasianos…) e em censos nacionais onde é necessário identificar a “raça” de quem participa. E, claro, a juntar a este contexto histórico e social sensível, surgem as figuras de liderança nestes países que representam tanto símbolos de união como (e infelizmente, nos dias de hoje) de ódio e separação. Este exemplo norte-americano é um exemplo para o resto do mundo da falta de atenção tida, de como evolui a nossa sociedade. E nos países ocidentais, supostos exemplos mundiais, que vivemos alheados por tecnologia e redes sociais, ficamos admirados por vivenciar atos bárbaros quando, diariamente, não os valorizamos o suficiente nas nossas ações. Preocupamo-nos com o que nos falta e em sermos picuinhas pelo nosso orgulho, quando há pessoas, neste momento, a morrer pela falta de direitos humanos, considerados básicos.
Conflitos raciais como este, perseguições religiosas (a cristãos no médio oriente, a muçulmanos Uigures na China,…), perseguição e humilhação a homossexuais fazem questionar em que mundo vivemos e sentir que o ser humano não faz nada nos dias de hoje. De que forma honramos o passado de figuras que lutaram por direitos, que não tiveram os nossos privilégios como Roosevelt, Luther King, Mandela, Ghandi, Malala Yousafzai…? Será que entendemos o significado do que temos garantido, e o “preço” disso? Este contexto atual afetado pela pandemia do Covid-19 é o cenário perfeito para demonstrar a pequenez do ser humano e para ele aprender o valor do que é ser o único animal social conhecido a poder cooperar com o próximo. A natureza já demonstrou mais que uma vez a importância vital que tem para o Homem, porém insistimos em ignorar e nem por aquele que sofre connosco somos capazes de ser melhores. É caso para pegar nas palavras de José Saramago, quando em 1998 ganhou o prémio Nobel da literatura, e dizer “Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante”. O egocentrismo e falta de civismo cegam-nos ao ponto de sermos piores que animais selvagens.
Assim, espero que este acontecimento não passe em vão e realmente que se use a história como fonte de conhecimento e melhoria para o futuro. A falta de memória e conhecimento principia ódio entre a humanidade. Que não se transforme este acontecimento e exemplo numa “guerra” entre raças ou contra uma profissão, mas sim numa revolução da humanidade contra a própria humanidade. Tomar como exemplo a atitude dos policias em Miami, que se ajoelharam e juntaram-se ao apelo de justiça dos manifestantes demonstra que isto é uma luta de todos por todos. As palavras de George Floyd ditas em desespero devem ser imortalizadas para lembrar a asfixia que a humanidade provoca a si própria e que (principalmente para os mais retrógrados),respirar ajuda a que o oxigénio lhes chegue ao cérebro e que lhes leve, consequentemente, a pensar porque diferenciam alguém com quem partilham o mesmo ar, que pisa o mesmo solo, que também tem sentimentos, simplesmente por uma característica particular que não o distingue enquanto valor de pessoa humana. Todos somos responsáveis e todos temos de sair do casulo do nosso conforto e prazer pela responsabilidade humana.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do Desacordo ou dos seus afiliados.
Escritor por: João Gouveia Feliciano
Editado por: Júlia Varela