Vida académica: COVID-19 e os alunos Insulares

No dia 10 de março, a Universidade de Lisboa fez notar junto dos seus alunos a crescente preocupação com o COVID-19. O zelo pelo bem-estar social de toda uma comunidade levou a que fosse decretada a suspensão de todas as atividades letivas decorrentes. Com a vida académica em “bain-marie”, foram inúmeros os estudantes que tiveram de repensar as suas rotinas e elaborar planos de contingência face às restrições do momento.

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Por um lado, temos os estudantes com habitação própria localizada na mesma cidade onde são alunos, com tomadas de decisão com menos peso do “E Se?” nas suas equações do que aqueles que, por outro lado, se encontram deslocados. Os estudantes deslocados tiveram de fazer valer competências da inteligência emocional, como a autorregulação para não irem a correr desalmadamente para junto das suas famílias. A situação aclamava uma matriz a seguir pelos alunos deslocados sob tutela institucional.

Cessadas as aulas, a Universidade de Lisboa transmitiu as suas diretivas do plano de contingência relativamente aos alojamentos onde todos os anos aloca milhares de estudantes deslocados, aconselhando durante o período sem aulas a se deslocarem para as suas residências pessoais, salvo os alunos em regime de Estágio ou Erasmus, internacionais e insulares. É um lugar comum afirmar que estes últimos são os que atravessam maiores dificuldades aquando da adaptação a uma nova realidade e são os mesmos que nesta instância estão entre o politicamente correto, conceptualizado pelo pensamento de: “Não devo voltar para casa, porque estou a maximizar as hipóteses de transmissão do vírus.” e o âmago dos sentimentos ligados ao apego pelas ilhas que leva milhares de estudantes a regressar.

O certo é que a partir de hoje, dia 16 de março, os movimentos aéreos de entrada de pessoas, no caso concreto, para a Região Autónoma dos Açores ficam interditos. O Presidente do Governo Regional solicitou ao Governo da República a suspensão de todos os voos provenientes do exterior, sem considerar os estudantes açorianos que tiveram pouco tempo para decidir um eventual regresso a casa numa altura em que o preço das viagens para os Açores subiu dado o número limitado de lugares disponíveis nas companhias que para lá operam. Na Região Autónoma da Madeira, exigiu-se junto do Ministério da Administração Interna o encerramento imediato dos aeroportos do arquipélago, sendo este pedido “matéria da competência estrita do Governo da República” como fez saber o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita. O inegável é que todo este impasse político deixa muitos alunos insulares entre a razão e o coração.

No caso dos alunos açorianos deslocados parece que a “Açorianidade” influi o regresso a casa. Esta especificidade cultural e identitária funciona como uma verdadeiro chamamento para os estudantes deslocados provenientes desta Região Autónoma. A “Açorianidade” consagrada nas literaturas de Vitorino Nemésio é um preditor da necessidade em regressar a casa sentida pelos estudantes açorianos, sendo a “capacidade de apego às ilhas” incutida no modo de ser açoriano, como faz notar quando escreve Urbano Bettencourt.

No caso dos estudantes deslocados provenientes da Pérola do Atlântico, estes regressam à Região Autónoma da Madeira sob o pretexto desta região ser (a par do Alentejo) das únicas regiões sem casos confirmados do novo Coronavírus. O que divide a opinião da sociedade nas regiões autónomas é a dicotomia entre a permanência dos estudantes deslocados nas regiões onde estão alojados durante as atividades letivas, de modo a conter uma eventual transmissão do vírus e o seu rápido regresso a casa como forma de prevenção e de assegurar algum bem-estar e afeto a estes.

Os alunos em Erasmus e/ou internacionais são auxiliados por uma espécie de rede cooperativa que coadjuva na sua integração no país de acolhimento.

Aos estudantes insulares deslocados interrogue-se: “Facilitaria a vossa vida, do ponto de vista académico, existir uma comunidade que zele e apoie os vossos interesses e atenue as vossas inquietações?”. Os alarmes que ecoam por todo o mundo apontam também para necessidades de mudança e de intervenção social: insularidade jamais poderá ser mistificada como isolamento, as pessoas devem potencializar redes de cooperação que sejam só por si redes de oportunidades.

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do Desacordo ou dos seus afiliados.

Escrito por: Gonçalo Melo Câmara

Editado por: Júlia Varela

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