15 anos do Tsunami do Oceano Índico: consequências e relato de uma sobrevivente

Foi há 15 anos. No 26 de Dezembro de 2004 um trágico cataclismo abalou o planeta Terra e todos os seus habitantes. Os especialistas chamaram-lhe “terremoto de Sumatra-Andaman”, mas ficou genericamente conhecido como “sismo e tsunami do Oceano Índico” ou, mais vulgarmente, “Tsunami da Indonésia e da Tailândia” ou “Tsunami de 2004”.

O sismo teve o seu epicentro a oeste da ilha de Sumatra, na Indonésia – a sexta maior ilha do mundo, com cerca de 45 milhões de habitantes – e depressa devastou o sudeste asiático, bem como algumas outras partes do mundo, chegando a atingir 9,1 de magnitude na escala de Richter.

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A Indonésia foi o país onde houve mais vítimas mortais – quase 130 mil – seguida do Sri Lanka (cerca de 30 mil) – onde, devido à catástrofe, se deu o acidente ferroviário de Peraliya, o mais mortífero de que há registo, no qual pereceram à volta de 1700 pessoas – da Índia (cerca de 10 mil) e da Tailândia (entre 5 mil vítimas mortais confirmadas a 11 mil estimadas). Vários países da costa leste africana também foram afetados, nomeadamente a Somália, que sofreu danos severos, com quase 300 vítimas mortais.

Entre os vários mortos confirmados e os milhares de desaparecidos, estima-se que, ao todo, cerca de 220 000 pessoas tenham perdido a vida por conta deste desastre natural. Para além dos países diretamente afetados, mais de 50 nações perderam cidadãos, visto que na altura havia muitos estrangeiros a passar férias na costa do Índico, principalmente na Tailândia. A Alemanha e a Suécia foram os países não diretamente afetados pelo Tsunami que tiveram mais perdas pessoais – 539 e 543, respetivamente. Já Portugal, de acordo com o então Ministro dos Negócios estrangeiros, António Monteiro, teve quatro cidadãos mortos e outros quatro desaparecidos.

O Desacordo teve o prazer de contactar uma cidadã portuguesa que sobreviveu a esta enorme calamidade. Mané Ferreira estava de férias em Phuket, na Tailândia, com o marido e os dois filhos, no dia 26 de Dezembro de 2004. Reencaminhou-nos o e-mail que enviou na altura (datado do dia 7 de Janeiro de 2005) a vários amigos, a relatar o sucedido, um depoimento impressionante.

Depois de cumprimentar os amigos, de se desculpar pela demora em dar notícias, de agradecer a todos a preocupação e de confessar que o regresso ao quotidiano não estava a ser fácil, Mané escreveu o seguinte texto, intitulado “Do Paraíso ao Caos”:

“26 de Dezembro de 2004, às 09.30 de mais uma linda e solarenga manhã na paradísiaca ilha de Phuket, na Tailândia.

Num não menos paradisíaco resort, a 300 metros da praia de Patong, toca o despertador dos Manéis e assim se acordava para o último dia de férias na nossa ilhota de sonho (…).

Primeiro levantou-se o Manel, seguiu-se a “sempre alerta” Marisa, depois a Mané (…) e por último, o grande dorminhoco da família, o Bitinha. Ele estava de rastos, muito cansado de nadar e melgar os demais, pensávamos nós. Assim, meia hora depois, já os três mais velhos prontinhos, ouvia gritar à porta do quarto 110, isto no rés-do-chão, “David, calça as sandálias… és sempre o mesmo, ainda perdemos o pequeno-almoço”.

Contrafeito mas resignado, o miúdo lá anuiu… Às 10.00, saiu finalmente do quarto. Aí, já a trancar-se a porta e a saborear o aroma a café e torradinhas que pairava no ar, começa o pesadelo…

Entraram de rompante dezenas de pessoas pelo resort, trazendo no rosto um ar de angústia, medo e pânico, para mim só identificável ao semblante que carregam aqueles que fogem das manadas de bois nas vilas alentejanas… Pensei “terrorismo!”

Rapidamente, voltámos a destrancar a porta e a reentrar no quarto… entre mil gritos em tailandês, ouve-se “water” e mais uma vez, não faz sentido… O céu estava lindo, de um azul cristalino ímpar… como poderia ouvir-se “water”?

Aí o Manel, já dentro do quarto e a tentar vedar todas as frechas da porta… Avisa que estamos em maus lençóis… “meninos, para cima das camas, mãe tenta pôr a salvo os passaportes e demais artigos de valor…” E depois, já o nosso resort estava perfeitamente destruído por uma avalanche de água que nada nem ninguém me fazia perceber de onde tinha surgido… A primeira onda terá atingido o metro e meio de altura, cobrindo por metade o nosso cantinho…

O cheiro dentro do quarto é indescritível, dado que a sanita jorrava um infinito número de dejectos… Tentava-se manter a calma e avaliar a situação… porém, algo nos incomodava: o silêncio atroz que pairava na rua, só se ouvia água, muita água por todas as frentes (…).

Dentro, avaliavam-se os estragos no quarto… dado que toda a nossa tralha tinha sido atempadamente posta a salvo…

Eram 10h15, o pesadelo regressa e desta vez é ímpar… Os gritos das pessoas, o ruído e a altura da onda, são terríficos… vêem-se pessoas na crista da mesma a tentarem agarrar-se ao telhado do resort, são arrastados jipes, motas de água, mobiliário, computadores, carteiras de todas as marcas VIP, sedas e tudo o mais que existia naquela terra e estava à mercê do mar.

A água cobre então o exterior do nosso quarto, começando a entrar ferozmente pelas 2 janelas e canalização da casa de banho. (…) O tempo parecia ter parado… a água não deixava de nos cercar por todos os lados e o medo atroz que as janelas não suportassem a pressão da mesma aumentava de segundo a segundo.

Lentamente, a água foi regressando ao seu habitat, malgrada a destruição que deixava em terra. Quando o nível da água baixou ao parapeito da janela, os Manéis saltaram por esta e refugiaram-se no telhado do resort do lado oposto ao quarto deles, dado aí o resort ter mais 2 pisos de altura.

Nada nem ninguém estava preparado para tal calamidade, não havia primeiros socorros, nem tão pouco quem os ministrasse… As pessoas tinham simplesmente desaparecido… Na altura, tentava-se acalmar as mentes pensando, conseguiram fugir. Hoje sabe-se que a realidade é bem diferente.

No telhado permaneceram até às 13h00, altura em que apareceu uma das gerentes do resort e muito cuidadosamente informou que se previa uma nova onda pelas 15h00. Ignorava se o resort resistiria a mais uma emboscada da água, dado estar construído sob areia.

Segredou aos pais de menores que o melhor era dirigirem-se para um outro Hotel, da mesma cadeia, a 800 metros aproximadamente dali.

Este, apesar de estar lotado, possuía um terraço no 5° piso que oferecia alguma segurança. Nem se pensou 2 vezes, não obstante o medo de pisar o rés-do-chão e ser apanhado por mais uma avalanche de água.

Receio também de tropeçar e ver vitimas dilaceradas, mas havia que sobreviver e continuar… Durante a tarde de 26 de Dezembro ainda houve mais 2 ondas que inundaram Phuket, originadas pela réplica do maremoto na Indonésia.

Naquele refúgio estivemos das 14h00 às 07h00 da madrugada do dia 27/12, data em que já tínhamos o voo de regresso marcado.

Com a Benção e Graça de todos os nossos Santinhos, pegámos nos nossos meninos, “lutámos” por um taxi e voámos para Bangkok.”

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Para além dos danos pessoais e materiais, o tsunami mudou em 2,5 cm a posição do Pólo Norte, alterou ligeiramente a forma da terra e diminui o comprimento dos dias em 6,8 milissegundos, sendo que a terra ficou a girar mais rápido.

O desastre foi ainda retratado na televisão, na literatura e no cinema com, por exemplo, o filme “O Impossível”, que conta a história de uma família sobrevivente, tal como a de Mané, e trazido para a música por Kimya Dawson com a canção “12/26”.

One of her babies is rotting in the sun
and the other one was found drowned in the ocean
her mom and dad are in their van crushed and bloated
and her husband was thrown from his fishing boat
so please give me a break from all your complaining
about who was mean to you and how your stepdad is a pain
I care, I swear, but I just can’t take it, not today
all I can think about are tsunamis and earthquakes

– Kimya Dawson em “12/26”

Escrito por: Beatriz Gouveia Santos

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