“1039/Smoothed Out Slappy Hours” é um álbum de coletânea musical da banda norte-americana Green Day, que compila faixas de três discos diferentes – o álbum de estúdio “39/Smooth” (1990) e os EP’s “1000 Hours” (1989) e “Slappy” (1990), para além da faixa solitária “I Want To Be Alone”. Foi lançado em 1991, três anos antes da banda atingir o estrelato, em 1994.
Esta coletânea é, provavelmente, um dos álbuns menos conhecidos da famosa banda de punk rock californiana. No entanto, é o meu preferido. O que nele me cativa não é propriamente a sua qualidade musical mas mais a sua simplicidade e autenticidade. Foi gravado num período muito primordial da banda, no qual os integrantes – agora com quase 50 anos – ainda eram muito jovens, estando a atravessar as intranquilidades, a revolta e as preocupações próprias da adolescência.
As primeiras dez faixas da coletânea são todas retiradas do LP “39/Smooth”, as oito seguintes de “Slappy” e “1000 Hours”, e a última de uma compilação realizada em conjunto com outras bandas.

O álbum abre com a música At The Library, que logo nos traz o som agitado e turbulento característico do punk rock mas que tem, paradoxalmente, uma letra bastante romântica. Aqui, Billie Joe Armstrong – o icónico vocalista do grupo – fala-nos da sua paixão por uma rapariga com quem, aparentemente, não fala e que, também aparentemente, tem namorado, revelando o seu desespero e a sua luta interior face à situação e expondo um dos mais típicos e complicados problemas que praticamente todos os jovens atravessam quando atingem a puberdade. De salientar, também, o espetacular trabalho de guitarra que há nesta música. Em seguida, temos a rítmica e um pouco monótona Don’t Leave Me, que aborda uma temática semelhante. Desta vez, a pessoa a quem Billie Joe se dirige está prestes a deixá-lo e este, tal como o título da música indica, implora-lhe que fique.
A terceira faixa, I Was There , foi escrita por John Kiffmeyer – antigo baterista dos Green Day que foi, pouco tempo depois da gravação deste álbum, substituído por Tré Cool, que passou a ser o baterista clássico da banda – e fala-nos de algo mais maduro e complexo. O referido autor, começa a letra desta canção com uma breve restrospetiva da sua vida, dos lugares onde esteve e das pessoas que conheceu e do seu desejo de fazer o passado durar, devido à rapidez com que algumas memórias se podem desvanecer. Depois, fala-nos das perspetivas que tem para o seu futuro e da sua inquietude em relação à incerteza e fugacidade do mesmo. No entanto, adota uma perspetiva positiva, tendo em mente que é ele próprio o principal sujeito que pode definir o rumo e o curso da sua vida e que tem ainda muito tempo pela frente. Algo que pode ser interpretado como aquele que é o sentimento da maioria dos jovens relativamente à entrada na vida adulta.
Looking back what I have done, there’s lots more life to live
At times I feel overwhelmed, I question what I can give
But I don’t let it get me down or cause me too much sorrow
There’s no doubt about who I am, I always have tomorrow
A próxima canção tem um nome curioso. Nada mais nada menos do que Green Day. Tem um som bastante envolvente e um tanto psicadélico, diferente das faixas anteriores que são muito à base dos elementos essenciais do punk. O rumor de Green Day é mais arrastado e, até, ligeiramente mais calmo, ainda que frenético. A atmosfera psicadélica que a música transmite justifica-se, pelo facto da letra falar, exatamente, da experiência do jovem Billie Joe com drogas.
Going to Pasalacqua vem a seguir e é, provavelmente, a canção mais conhecida do álbum, talvez por causa do seu refrão que fica bastante no ouvido. A letra é um pouco difícil de decifrar. O narrador expressa o desejo de fugir para longe acompanhado de alguém – provavelmente uma rapariga com quem mantém uma relação amorosa – mas expressa, por outro lado, insegurança e ansiedade em relação a essa pessoa por não ser capaz de perceber o que esta quer ou de descodificar o que esta está a pensar. A palavra “Pasalacqua” não é referida uma única vez na música e não se sabe ao certo o que significa. Acredita-se, porém, que é o nome de uma casa funerária em Rodeo, na Califórnia, localidade onde a banda foi formada. Se esta crença for verdadeira, o poema pode adquirir um significado totalmente diferente. Pode significar que a pessoa a quem Billie Joe se dirige está a morrer ou em perigo, o que nos leva a pensar que essa pessoa, afinal, pode não ser uma rapariga mas sim o pai do vocalista, que faleceu de cancro quando este tinha apenas dez anos.
Posteriormente, o tema de I Was There é retomado com 16, que nos fala das inseguranças de um jovem de 16 anos face à grande incógnita que é crescer. Quando somos crianças, o nosso maior sonho é sermos adultos. Porventura, quando somos adultos o nosso maior sonho é ser criança. É essa a profunda mensagem que 16 nos transmite num punk rock bastante catchy e bem humorado.
A oitava faixa é Road to Acceptance e fala exatamente daquilo que o título sugere, do desejo insaciável que quase todos os jovens têm de ser aceites. Aqui, Billie Joe revela a sua constante preocupação com aquilo que os outros pensam dele e afirma que “a adolescência não faz sentido” pela enorme sensação de podridão e esquecimento que as pessoas têm nesta fase da vida.
Depois temos Rest que se destaca pelo seu som peculiar e pelo seu ritmo lento. Esta música difere de qualquer outra música da banda – independentemente do álbum – o que divide muito os fãs. Alguns adoram-na pela originalidade, outros odeiam-na pela sua estranheza e distanciamento daquilo que é a musicalidade tradicional dos Green Day.
Para terminar o conjunto de músicas retiradas do LP “39 Smooth” está The Judge’s Daughter que vai abordar, mais uma vez, o tópico do amor não correspondido tal como a faixa seguinte, Paper Lanterns – que já faz parte do EP “Slappy”. Em ambas, o sujeito poético reconhece a falta de sanidade e de sentido existentes nos sentimentos que tem pelo seu objeto amoroso. A diferença entre as duas é que, na primeira, esse objeto é uma estranha e, na segunda, uma amiga.

A décima segunda faixa, Why Do You Want Him, pode parecer mais uma expressão artística de Billie Joe em relação à inexistente reciprocidade amorosa das raparigas de quem gosta. Porém, a figura feminina a quem o cantor se dirige nesta canção é a sua mãe. Depois do seu marido morrer – como já referi anteriormente – Ollie Jackson, numa tentativa de recuperar a afetividade masculina que perdera, começou a relacionar-se com vários homens, que acabavam sempre por tratá-la mal. O jovem Billie Joe, ao observar este comportamento, ficava também ele desesperado, refugiando-se na música. Why Do You Want Him foi escrita quando o vocalista tinha apenas 14 anos, algo simultaneamente louvável e terrível, pela manifesta preocupação que o mesmo já tinha com a progenitora numa idade tão tenra.
Depois temos 409 In Your Coffeemaker, que tem, a meu ver, a letra com o conteúdo mais interessante do álbum. Nesta faixa, Billie Joe fala-nos da falta de atenção que o sistema educativo da sua escola dava à criatividade dos alunos. Tendo demonstrado desde cedo um grande talento para a música, o cantor, em jovem, enfrentava várias dificuldades na escola por esta não lhe oferecer qualquer ferramenta que lhe permitisse desenvolver e explorar melhor as suas capacidades. Chega a comparar esta instituição a “correntes que controlam os objetivos de vida dos alunos”, ou seja, que orientam opressivamente os alunos a triunfar numa certa área, ignorando as áreas restantes, nomeadamente as artes. O título da faixa, porém, pouco tem a ver com a letra. Pensa-se que se refere ao facto de Billie Joe, certa vez, ter colocado 409 – um detergente – no café de um professor seu.
My interests are longing
To break through these chains
These chains that control
My future’s aims
Na posição 14, temos Knowledge, que nos traz ecos de ska punk, por ser um cover da banda dos anos 90 Operation Ivy, especialista neste género musical. No refrão, é repetida a célebre frase do filósofo clássico Socrates – “All I know is that I don’t know nothing” (“Só sei que nada sei”).
As próximas quatro faixas, pertencentes ao EP “1000 Hours” voltam a retratar a temática amorosa. A faixa 1000 Hours apresenta-nos, finalmente, uma paixão recíproca e que se afigura duradoura. Porém, Dry Ice, Only of You e The One I Want colocam Billie Joe, novamente, num cenário de friendzone. Esta temática pode parecer muito primária à primeira vista, mas a verdade é que muitos adolescentes – e até mesmo jovens adultos – se ouvirem estas letras, se vão sentir altamente compreendidos.

Por fim, temos I Want to be Alone, que foi retirada da compilação coletiva The Big One que integra faixas de várias bandas da zona de East Bay. Nesta faixa, o narrador afirma veementemente que quer estar sozinho, num trabalho de introspeção e recusa qualquer ajuda exterior, explicando que isso só o vai fazer sentir-se pior.
Recomendo vivamente este álbum a quem goste e seja um ouvinte frequente de rock e punk. Todavia, não o aconselharia a quem está pouco habituado a ouvir estes géneros. Este tipo de punk rock pode não soar imediatamente bem a um apreciador de indie ou de pop. Para os ouvintes destes estilos que querem iniciar-se na discografia dos Green Day, recomendo que oiçam primeiro o álbum Warning, que é mais alternativo e versátil.
