Lá Para Dentro: Quando as circunstâncias político-sociais interferem negativamente no futebol

Na rubrica desta semana, serão analisados alguns casos em que o futebol acaba por ser prejudicado pelo comportamento incorreto não apenas da sociedade, como também por atuações incorretas do Estado. Comecemos com uma breve exposição histórica.

Ao analisarem-se os muitos anos de história que este desporto já tem de existência, verifica-se que, apesar de tentar ser “independente” e de se afastar de problemas políticos, sociais, culturais, etc., por vezes tal torna-se mesmo impossível. Recorde-se, a título exemplificativo, uma situação que ocorreu em Portugal durante o Estado Novo: a Juventus, de Itália, estava interessada em contratar Eusébio que, na altura, era a principal estrela do Benfica. Tal transferência acabou por não acontecer a mando de Salazar, que considerava o jogador um dos símbolos da nação e que, por isso mesmo, não poderia atuar num clube que não fosse português, num claro ato de propaganda política (que era muito comum na época).

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Eusébio da Silva Ferreira, ao serviço do Benfica. Fonte: SL Benfica

Com o passar dos anos, as circunstâncias mudaram e é muito raro haver uma intervenção política que condicione a este ponto o futebol (admite-se a necessidade de existir uma ligação entre o futebol e a política, mas nunca ao ponto de algum político intervir na gestão da carreira de jogadores ou de algum clube para retirar proveitos pessoais disso mesmo). No entanto, quem refere a situação de Eusébio pode referir uma ainda pior e em pleno século XXI: recuemos ao Mundial de 2010 disputado na África do Sul, mais concretamente à prestação da equipa da Coreia do Norte.

Fruto dos maus resultados (perfeitamente normais tendo em conta os adversários), no momento do regresso ao seu país os atletas norte-coreanos não só foram punidos com horas de “trabalho comunitário”, como também foram obrigados a “apontar o dedo” ao selecionador (declarando-o culpado pelos maus resultados), tendo sido este, inclusive, acusado de traição ao líder Kim Jong Un. No entanto, este caso acaba por ser uma exceção à regra, tendo em conta as particularidades do regime norte-coreano.

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A derrota mais pesada da Coreia do Norte no Mundial de 2010 foi frente a Portugal (derrota por 7-0). Fonte: Sapo Desporto

Atualmente, o problema social que marca mais o futebol é, sem dúvida, o racismo: são cada vez mais os casos registados. Recorde-se, a título exemplificativo, o caso que “alertou” os adeptos para esta realidade: foi no Inter – Nápoles da época transata, em que os adeptos milaneses entoaram cânticos racistas contra o jogador senegalês Kalidou Koulibaly – como consequência, o Inter foi punido com a realização de dois jogos sem público nas bancadas.

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Koulibaly (à direita), claramente revoltado com o que vinha da bancada. Fonte: SIC Notícias

No entanto (e já mesmo antes disto), os órgãos que regulam o desporto a nível internacional têm feito campanhas intensas contra o racismo e a promover a inclusão (destaque-se a campanha da UEFA na presente temporada denominada de #EqualGame). E a própria FIFA também tem estado muito atenta e ativa relativamente a esta situação. No entanto, se estas instituições defendem estes valores (e bem) de forma tão assertiva, também deveriam estar atentas a quem é punido injustamente com base nos mesmos.

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Uma ação de promoção da campanha #EqualGame da UEFA. Fonte: UEFA

Atentemos no caso de Bernardo Silva, que tem marcado a atualidade: o jogador, em tom de brincadeira com o colega de equipa Benjamin Mendy, fez uma publicação na rede social twitter que foi interpretada como sendo racista por algumas pessoas. No entanto, se por vezes elogia-se a federação inglesa por tomar atitudes que enaltecem o desporto em terras de “sua majestade”, neste caso deve-se criticar a punição dada ao jogador português: um jogo de suspensão e o pagamento de uma multa. É bastante evidente, neste caso, que o internacional português nunca teve a intenção de ofender o internacional francês (que inclusivamente achou piada à publicação de Bernardo Silva). Assim, a punição não tem qualquer fundamento, sendo merecedora de uma intervenção de quem regula internacionalmente não só o futebol, mas o desporto em geral por se estar a agir injustamente contra o jogador português.

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O “tweet” que gerou a polémica em torno de Bernardo Silva. Fonte: Metro UK

As campanhas levadas a cabo contra o racismo, sem dúvida, não visam prevenir/punir atitudes como a do atleta português do Manchester City. Procuram condenar, sim, atitudes como as dos casos de Koulibaly e de Taison (este último mais recente): o jogador brasileiro que atua nos ucranianos do Shakhtar Donetsk foi alvo de insultos racistas no jogo contra o rival Dynamo Kyiv. Em consequência disso, acabou expulso do encontro por chutar a bola para o público e por, inclusive, ofende-lo.

No entanto (e atendendo às circunstâncias), a maior parte da razão deverá ser dada ao jogador brasileiro: se por um lado a sua atitude não foi a mais correta, a dos adeptos ucranianos foi ainda pior. Apela-se, assim, a que a justiça da federação ucraniana tenha “mão pesada”sobre os adeptos de Kyiv e apela-se, também, ao bom senso quanto a Taison: o cartão vermelho com que foi admoestado no encontro foi, talvez, uma sanção mais que suficiente para o atleta brasileiro que é treinado pelo português Luís Castro.

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Taison abandonou o terreno de jogo em lágrimas após a atitude dos adeptos afetos ao Dynamo. Fonte: Chuteira FC

Infelizmente, o “Lá Para Dentro” desta semana foi “extra-jogo” (necessário tendo em conta os assuntos que marcam a atualidade desportiva). O futebol e as idas ao estádio devem ser encarados como uma fonte de entretimento e até mesmo de cultura, sendo que todos os aspetos negativos da sociedade devem ser deixados de fora dos estádios. Porque só assim o futebol poderá ser a festa que todos nós desejamos que seja.

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A UEFA promove há vários anos o respeito, numa tentativa de melhorar o comportamento do público nas bancadas. Fonte: UEFA

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do Desacordo ou dos seus afiliados. 

Escrito por: Filipe Ribeiro

Editado por: Cláudio Nogueira