Ao assistir “Santiago, Itália”, as veias saltam, os olhos ficam incrédulos e ansiosos, a música presente na narrativa traz, à partida, de que algo sempre está à espreita, pronto a eclodir. E é nessa movimentação que nos encontramos submersos.

Ao ver o Chile pelos anos 70, quando Salvador Allende governava, assumindo-se sempre socialista, os relatos afirmavam um ritmo de intensidade, esperança e eternidade, na crença de que a vida seria mais feliz. Os camponeses e estudantes eram valorizados, e era isso que a Unidade Popular contava diante de Allende. O tão famoso grito de reparar injustiças ecoava por todos os lados. O presidente era assim, ao que se pode atestar tão bem nas diversas partes em que há a efusão da filmagem preta e branca dos discursos dele misturado com as falas de quem viveu sob o seu governo e hoje conta a História. Além do presente e do passado entoados na narrativa, aprofunda-se a questão da intervenção dos Estados Unidos antes das eleições, para que Allende não fosse eleito, e após, como peça fundamental para trazer o fim de seu mandato. Assim ocorreria um golpe de Estado em aliança com as partes conservadoras do Chile. O que faz com que haja uma emoção a mais é perceber o quanto a manipulação pode se entranhar. Os donos de empresas começaram, desse modo, a bloquear o acesso aos bens essenciais, alavancando a pobreza dos chilenos, e a mídia queria incitar o descrédito do presidente. Um anúncio estranho na rádio seria o que podemos chamar de ponto inicial do golpe de Estado em 1973. Para um dos participantes do documentário, sua opinião é de que “a democracia é uma coisa boa, desde que sirva aos poderosos”.
Vê-se tudo, e é preciso digerir muito bem. É preciso respirar, secar as lágrimas dos olhos ao ver e ouvir sobre o medo das pessoas, o vídeo do bombardeamento da sede do governo, os civis tendo de se trancar em casa, o descobrimento de torturas e centros de detenção ilegal, o aniquilar de quem fosse conectado a Allende ou aos partidos de esquerda. E sempre a nossa mente avisa-nos de que é necessário lembrar que não podemos repetir esse passado.
No fim, então, a esperança é reunida. A Itália entra em cena no jogo político e diplomático. A ser a única Embaixada a funcionar no Chile, as pessoas pulavam o muro para se abrigarem dentro dela, e algumas pessoas que lá ficaram por um tempo foram autorizadas a se exilarem em Roma – e os habitantes da cidade solícitos, tendo em preocupação a boa acolhida. Contudo, o impacto aparece-nos ao fim: quando há o testamento da ruptura de uma Itália e mesmo do mundo, em relação à solidariedade, na vida líquida (se puxamos Bauman para a roda de conversa), com foco no interesse e bem-estar individuais. A forma de nos conectarmos está a ser interrompida, assim como um rádio avariado, que em alguns dias mostra sua presença mas logo volta a falhar.
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Escrito por: Thays Moreira
Editado por: Cláudio Nogueira