O estado do ensino superior em Portugal

A meta tem de ser utópica, senão evoluímos para onde? Se é que o fazemos.

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Em debates sobre o estado das propinas em Portugal ouvem-se frases como: “a universidade não pode ser gratuita”, “não deve haver obrigatoriedade do Estado em pagar algo que é uma especialização pessoal” ou “o ensino superior tem de ser pago, não podemos ser todos doutores”. Estas opiniões fogem completamente ao essencial.

O problema é a forma como encaram o tema, como encaram todos os temas, de forma limitada, limitada em todos os sentidos. É o dinheiro e os mercados que regulam as nossas vidas de maneiras incrivelmente injustas e imorais. Devemos olhar para a questão como ela é: igualdade de oportunidade para todos de construírem a sua vida da forma que quiserem. Essa liberdade não existe. A preocupação são os mercados, as crises, os crescimentos económicos e as dívidas, não é a vida das pessoas. E devido a tanta distração e superficialidade que impera na maioria, os problemas nunca são encarados na realidade, são sempre analisados de forma muito limitada, não se vê o fundamental.

Não digam que se trata de equilíbrio, que o ensino superior só deve ser para alguns (os que conseguem lá chegar), para manter um equilíbrio na sociedade.  E não digam que o Estado já garante a educação durante 12 anos e que não faz sentido garantir ao cidadão uma “especialização” pessoal, que isso é um investimento (nesta perspetiva económica) puramente pessoal.

A educação não é um processo mecanizado e orientado para responder às necessidades de uma sociedade baseada e regulada por mercados, nem tão pouco um privilégio ou uma via para um futuro possivelmente “remunerado”.

A educação é um direito e um bem a que todos devem ter acesso sem limites e restrições, porque a educação é um caminho de enriquecimento pessoal e de busca pelo conhecimento, não é um processo estabelecido de aprendizagem de respostas certas sem perguntas, sem prazer, para atingir determinado estatuto ou executar determinada tarefa requisitada pelas necessidades dos mercados e pelos interesses e regras dos crentes no dinheiro. A educação é a base fundamentada de uma sociedade justa.

O ensino superior não é uma educação mais privilegiada que as outras, nem mais importante, é simplesmente onde se encontra o maior interesse financeiro e isso está errado. O ensino superior é educação, é um direito comum a todos, não é superior nem inferior, é uma opção que todos deviam ter o direito de poder tomar ou não. Sim, porque mesmo se tal fosse gratuito nem todos iriam querer. Mas essa liberdade, sem restrições, deve existir. E qual será o benefício disto? A felicidade de cada um, a oportunidade e a liberdade de poderem levar a vida da melhor forma que acharem. É difícil pensar desta forma, é “utópico”, mas porquê? Porque isso não é de todo exequível com a sociedade que temos, em que o que realmente interessa é quase um luxo. Porque faz confusão às próprias pessoas imaginar tal cenário distante. Porque choca com os interesses dos que têm.

“O futuro deve ser de tal maneira que nenhuma criança ao nascer se sinta torpedada pela vida de maneira que julga que tem que desistir de ser para existir apenas como aquilo que a vida obriga a ser.”

– Agostinho da Silva

Hoje é impossível, mas se o caminho não for esse então o caminho não evolui verdadeiramente, ou então piora. Mas o problema para já não é o ensino superior ser gratuito ou não, o problema é outro. O problema é o dinheiro, são os mercados que se julgava serem a solução há umas décadas, é a superficialidade na discussão pública que origina e incentiva a falta da moral e dos valores humanos justos na discussão dos temas fundamentais, os debates são fracos e não encaram as questões na sua totalidade e as melhores características do ser humano estão a ser cobertas por um vazio tremendo. Quando tentamos debater um determinado problema da atualidade política e social, não podemos olhar apenas para as causas e consequências económicas de determinada decisão, os valores e a moral têm de ser discutidos e têm de ser a prioridade.

Não digam que não pode ser tudo grátis, ou que não pode ser para todos, pelo motivo de  ser insustentável economicamente. Digam que não pode ser tudo grátis, porque só os bens essenciais devem ser grátis, e não digam que não pode ser para todos porque o egoísmo é que é insustentável. Não dêem desculpas limitadas em alcance de pensamento, alcancem o que realmente interessa. Há os que dizem que não pode ser gratuito porque acreditam realmente nesse caminho, mas pior são os que dizem que não dá porque não põem sequer a hipótese de dar no futuro, não acreditam ou então nem imaginam um futuro que seja melhor.

Se a educação ao nível do ensino superior é grátis na Dinamarca não quer dizer de todo que possa ser aqui. Neste momento não pode. Mas temos de ambicionar isso ou não temos? Não, devemos, porque resulta na Dinamarca por algum motivo, aqui terá de resultar também pelos nossos motivos, os aspetos positivos não são inalcançáveis nem são só reservados a determinados países, mas a educação é fundamental e o problema está na organização das sociedades atuais, muito baseadas nos mecanismos de mercado, que não permitem tal mudança.

“Só é vencido quem desiste de lutar”

– Mário Soares.

Estamos a deixar-nos levar pela aparente estabilidade, pela aparente segurança de estarmos a par de tudo, pela garantia da democracia, pela garantia do voto e pela garantia da segura impotência perante as grandes decisões, mas estamos a deixar de lado o poder de opinião, de discussão e debate dos verdadeiros assuntos da Humanidade, as massas têm cada vez menos poder crítico, e a desinformação é cada vez maior. Todos, dos Governos aos cidadãos. Estamos a esquecer-nos do que nos faz sermos nós, estamos mais vazios e distantes e sabemos cada vez menos ambicionar o melhor para todos, porque não estamos a discutir o fundamental. Precisamos de discutir os problemas com debates sérios, e não podemos deixar os valores morais de fora desses debates, porque eles existem e têm sido inevitavelmente os mais prejudicados. O que escapa à maioria é que esse mesmo esquecimento dos valores morais é o que mais nos prejudica, é o que mais nos afasta, e é quando nos esquecemos que somos humanos e nos aproximamos mais do animal comum.

Queremos que a economia cresça, queremos que a dívida baixe, que o investimento aumente, e queremos que os mercados funcionem, mas para quê? Qual é o objetivo afinal? Se calhar, já nos esquecemos…

Não nos podemos esquecer do essencial. Quando ambicionamos uma sociedade melhor e quando olhamos para os problemas que enfrentamos, e os encaramos, temos de lembrar-nos sempre do essencial, e o essencial não é o dinheiro, não é o que o mercado necessita nem o que temos de fazer para a economia crescer. O essencial são os valores de justiça, igualdade de oportunidades, é o amor, é a liberdade inalienável de cada um e é procurar a melhor forma de garantir os bens indispensáveis como a alimentação, a saúde e a educação para que essa seja uma garantia de todos e não uma preocupação de cada um, para no fim a única “preocupação” ser criar, ser inventar, inovar e evoluir. Essa deve ser a prioridade, deve ser o primeiro pensamento e todas as soluções, por mais temporárias que possam parecer, devem ter em vista essa prioridade.

Isto tudo não deve ser uma utopia de loucos e sonhadores, isto devia ser a nossa ambição, porque se ambicionarmos menos que isto então estamos condenados ao sofrimento desnecessário e eu não acredito nisso.

“Para chegar a uma sociedade justa, temos de raciocinar juntos sobre o significado da vida boa e criar uma cultura pública que acolha as discrepâncias que inevitavelmente surgirão”

– Michael J. Sandel

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados. 

Escrito por: Eduardo Silva

Editado por: Cláudio Nogueira

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