Esta é a vaca que não ri. Não ri porque, para além de não ter espaço, não tem qualquer motivo para o fazer. Se um ser humano fosse sujeito a viver toda a sua (curta) vida nas condições em que este animal vive também não teria razões para rir. A vaca que não ri não é apenas uma vaca, mas todos os animais não humanos submetidos a uma indústria cruel que domina o mundo alimentar. A vaca que não ri é tão ou mais inteligente que todos nós porque se pudesse – e se a deixassem – estaria neste momento a rir à gargalhada com o tamanho da estupidez de alguns seres humanos.
O livro de Rui Pedro Fonseca é uma wake up call aos mais adormecidos – ou que fingem dormir – ao lado dos quais a indústria agropecuária, enquanto forma de exploração animal, lhes passa ao lado, como parte integrante e natural da cultura (alimentar) dominante. Nesta cultura, as vacas são aparentemente felizes, vivem aparentemente livres em pastos verdejantes enquanto comem erva fresca e aparentemente vêem as suas crias crescer ao seu lado. Esta é a “história da carochinha” que nos contam desde que nascemos – através de livros infantis, desenhos animados, publicidade, noticiários, etc. – e para a qual nós contribuímos ao compactuar com esta indústria sem nunca a questionar.
Mas hoje, em pleno século XXI, as vozes dos mais corajosos e que rejeitam esta cultura alimentar levam a um plot twist nesta história: as vacas, ou qualquer outro animal explorado na indústria agropecuária, não são felizes; vivem enclausuradas em cubículos onde o ar fresco e a luz do dia não chegam, onde o alimento e a água são limitados e onde, depois de terem sido fecundadas pela milésima vez, vêem as suas crias serem-lhes retiradas logo após o seu nascimento. Esta é apenas uma parte das práticas que estão por detrás desta indústria e que esta tenta esconder a todo o custo, através da omissão das circunstâncias reais em que os animais (sobre)vivem, a partir do qual surgem as representações mitificantes – em que o consumo destes animais e dos seus derivados é encarado como algo natural e irreversível.
Para espanto de todos (ou não), estas práticas estão bem presentes no Ocidente, incluindo em Portugal. Apesar das tentativas de várias marcas de porem fim ao preconceito em torno do seu produto, como o leite, o lado obscuro da produção animal tem vindo a cair aos poucos, revelando o que se esconde por detrás da máscara que as grandes empresas insistem em usar. O ser humano, como egoísta que é, insiste também na sua imposição enquanto ser superior e pertencente a um nível hierarquicamente mais elevado do que os restantes animais, mas chegou a hora deste complexo de superioridade cair, em conjunto com a máscara que salvaguarda toda a indústria agropecuária.
Nesta cultura alimentar que nos domina, enquanto os animais não humanos “imploram” para que o seu sofrimento acabe, o ser humano senta-se à mesa com a família enquanto come um “bife de vaca”, e vivemos constantemente neste ciclo vicioso, caracterizado por uma vaca que não ri e por um ser humano que não chora.
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Inês Queiroz