Porque é que o povo brasileiro acabou de eleger Jair “Bolsonazi”?

Jair Bolsonaro, candidato vencedor da presidência brasileira, foi acusado de sexismo, xenofobismo, homofobia, racismo e de predisposição para a ditadura. Nos dias que correm é, no mínimo, incongruente que um candidato de extrema-direita como Bolsonaro seja eleito num país tão socialmente assimétrico como o Brasil, mas a verdade é que o líder do Partido Social Liberal (PSL) ganhou a primeira volta com maioria (mais que) absoluta e na segunda volta arrecadou cerca de 55% dos votos. Mas como é que este militar, que já no Exército era criticado pela “falta de lógica e raciocínio” e pela “dificuldade em expor os seus argumentos”, se tornou no 38º presidente do Brasil? 

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Jair Messias Bolsonaro, natural do estado de São Paulo, teve uma vida contornada de polémicas desde o seu nascimento. Nascido num pequeno município de São Paulo, em Glicério, foi registado dias depois em Campinas. A sua mãe decidiu chamá-lo Messias Bolsonaro, visto que, devido a uma gravidez complicada, o seu nascimento saudável apresentava-se como um “milagre”. O nome Jair surgiu através da sugestão de um vizinho, em homenagem a Jair Rosa Pinto, médio da Seleção Brasileira e do Palmeiras, equipa pela qual torcia o pai de Bolsonaro. Descendente de italianos e alemães, Jair Bolsonaro referiu até que seu avô chegou a servir a Wehrmacht de Adolf Hitler durante a II Guerra Mundial.

Aos 15 anos já era evidente o seu interesse pelo exército quando ele e alguns dos seus amigos forneceram informações sobre possíveis esconderijos de Carlos Lamarca, ativista e militar que se revoltou contra a ditadura militar instaurada no Brasil, criando mesmo campos de treino para guerrilheiros que se opunham ao regime. Aos 18 anos, após alguns meses na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, decidiu concorrer à Academia Militar Agulhas Negras, na qual se formou em 1977 e se especializou em Paraquedismo.

Depois de vários serviços no Rio de Janeiro e no Mato Grosso do Sul, Bolsonaro já servia como Capitão no 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista. Em 1986 é preso durante quinze dias após escrever um artigo na revista Veja, com o título “O salário está baixo!” que contou com o apoio de vários militares e afiliados. Em 1987, revela alegadamente à mesma revista que estaria em curso a “Operação Beco sem Saída”, que consistia em fazer explodir pequenas bombas em diversos quartéis-generais do país como forma de protesto contra o baixo salário dos oficiais. Bolsonaro alegou que a Veja teria publicado “acusações fraudulentas” para vender mais, acusando-a de “sensacionalismo”.

O julgamento do Supremo Tribunal Militar deu razão à defesa de Bolsonaro e, em 1988, foi absolvido e devolvido aos quadros do Exército. No entanto foi para a reserva e é nesse mesmo ano que inicia a sua carreira política, fazendo-se eleger como Vereador do Rio de Janeiro pelo Partido Democrata Cristão. Apesar de discreto e pouco participativo, defendeu o controlo de natalidade dizendo até que não valia a pena distribuir preservativos nas favelas porque “a molecada vai brincar de bexiga” ou seja, fazer balões. Disse também que não era a distribuir panfletos que a contenção da explosão demográfica iria acontecer, pois “a população é analfabeta”.

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Em 1991 é eleito deputado federal pelo mesmo partido, apesar de se afiliar a oito partidos diferentes em 25 anos, desde 1993 até 2018. Depois da sua popularidade subir a pique, Bolsonaro decide concorrer à presidência da República nas eleições de 2018. Quais as circunstâncias em que surgem estas eleições?

Ora, para se perceber a ascensão de Bolsonaro à presidência do Brasil é necessário recuar alguns anos. Desde 2003 até 2011, o Brasil foi governado pelo PT, encabeçado pelo famosíssimo Lula da Silva. Em 2011 nomeia Dilma Rousseff como sua sucessora e apenas três anos depois, rebenta a bolha da Operação Lava-Jato. Lula foi condenado a 12 anos de cadeia por lavagem de dinheiro e subornos naquele que ainda é um dos maiores escândalos da América Latina, envolvendo políticos, membros do congresso, a Petrobras, uma das maiores empresas de exploração petrolífera do mundo e, claro está, até um presidente da República.

Também Dilma se viu implicada no caso de corrupção que abalou o Brasil inteiro, vindo a sofrer um impeachment em 2016. Michel Temer, seu vice-presidente assumiu o cargo de Presidente da República, mas também ele teve falta de credibilidade precisamente por também ter sido acusado de corrupção passiva, compra de silêncio e obstrução de justiça na Operação Lava-Jato. Em 2018, decidiu não se recandidatar.

Former Brazilian President Lula da Silva gestures as he attends a "Democracy and social justice" seminar in Sao Paulo

As eleições de 2018 surgem num Brasil destroçado e revoltado com os seus líderes, principalmente com o Partido dos Trabalhadores, partido de Lula, Dilma e Temer. É nestas circunstâncias que aparece um deputado federal conservador, antigo capitão do exército brasileiro, a proclamar o corte efetivo com a corrupção em que estava mergulhado o Brasil, prometendo colocar “O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”: Jair Bolsonaro.

Candidatou-se pelo Partido Social Liberal e escolheu o General António Mourão do Partido Renovador e Trabalhista Brasileiro para seu vice-presidente. Ao início, e ainda que na cadeia, Lula liderava com larga margem para o segundo lugar, Bolsonaro. Eis que em setembro, após muita controvérsia, pressão da ONU e dos Tribunais Brasileiros, o PT vê-se obrigado a anular a candidatura de Lula e a apresentar o seu outrora vice-presidente, Fernando Haddad, como novo candidato do partido.

Foi um golpe duro para muitos brasileiros que, fartos do PT e sem Lula na corrida, não viram outra alternativa se não o candidato de extrema-direita, que jurou terminar com a decadência brasileira. A popularidade de Bolsonaro disparou depois de ser esfaqueado em Minas Gerais, enquanto era levado aos ombros. Enquanto proferia declarações como “vamos fuzilar a PT’lhada do Acre“, “Qual respeitar homossexuais? Eles é que têm que me respeitar” ou “Tu não mereces que eu te viole“, multidões esperavam por ele em comícios e congressos. Foi também uma campanha carregada de fake news, como por exemplo, a acusação a Fernando Haddad, de que teria criado um “kit gay” para os alunos do primeiro ciclo.

No fundo, Jair Bolsonaro poderá não passar de fogo de vista, mas mostra que o Brasil, à semelhança de muitos outros países, é terreno fértil para o crescimento de movimentos extremistas e, na verdade, para que eles prosperem também. Jair Bolsonaro tem uma visão deturpada de como se soluciona um problema, como é exemplo a sua famosa posição em relação ao crescimento da marginalidade nas favelas brasileiras. Bolsonaro defende o armamento da população e a condecoração de um polícia/militar que execute um criminoso, ao invés de processá-lo.

É um indivíduo algo retrógrado, com ideologias medievais até, mas soube cativar um povo cansado de ser enganado, depois de uma ditadura militar (1964-1985) e de uma crise que durou até à viragem do milénio, os vários esquemas de corrupção que envolviam os líderes brasileiros tiveram as suas consequências na população. Ainda assim, é de salientar que a soma dos votos brancos, nulos e abstenções (que no Brasil é punível com multa) chegou a um número que não se via desde 1989 – 42,1 milhões.

Escrito por: Bruno André

Editado por: Cláudio Nogueira

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