La Flame presenteia-nos com o seu terceiro álbum, Astroworld, onde somos convidados a entrar no seu mundo, no seu próprio parque de diversões, e nós aceitámos de bom grado, sem hesitar e ansiosos por deambular na sua mente. Deparamo-nos com Butterfly Effect, revelada em maio do ano passado, e Sicko Mode lançada este ano. O estilo rap e hip-hop está bastante presente nestas duas músicas principais do álbum e, ainda, como não podia deixar de ser, os elementos psicadélicos e alucinantes que completam a assinatura de Travis Scott.
O álbum torna-se um elemento crucial nesta saga, criada pelo rapper Travis Scott, depois de Rodeo (2015) e Birds in the Trap Sing McKnight (2016). O resultado deste trabalho de dois anos foi publicado a 3 de agosto deste ano, com muitas expectativas e ansiedade pelo meio e, claro, os fãs portugueses não podiam deixar de sentir o mesmo. Este ano, o palco do Super Bock Super Rock pegou fogo e La Flame levou os fãs às profundezas do inferno com a apresentação do iminente álbum, com a apresentação de imagens de atrações radicais e com a música Stargazing, já do novo álbum, a tocar de seguida.
As expectativas quanto a Astroworld acumularam-se poucos dias antes do lançamento, devido às campanhas de marketing bem-sucedidas, nomeadamente a aparição de uma cabeça gigante dourada de Travis Scott instalada no topo de um dos marcos mais famosos de Hollywood, a loja Amoeba Music. Na semana seguinte, outras duas cabeças gigantes apareceram no Minute Maid Park, em Houston e no topo do Hard Rock Café, em Times Square. Após o aguardado dia, seguiram-se críticas positivas, que o levaram a estrear-se no primeiro lugar da Billboard 200 e, a 21 de setembro, o álbum foi considerado Platinum pela Associação da Indústria de Gravação da América (RIAA).
A obra musical conta com a colaboração de artistas já conhecidos pelo público, como Drake, presente na música Sicko Mode, The Weeknd, que pode ser ouvido em Skeletons e Wake up, Quavo e Takeoff surgem em Who?What!, Frank Ocean em Carousel e ainda Kid Cudi que se apresenta na melodia Stop trying to be God. Também os múltiplos produtores tiveram grande impacto neste álbum, desde Mike Dean, a Tame Impala e Sonny Digital. Estes e outros artistas auxiliam Travis Scott a idealizar Astroworld e a torná-lo num parque temático, dando vida a diferentes brinquedos e atrações, que ora alegram, ora impressionam, ora enjoam, com tantas reviravoltas inesperadas, tal como acontece numa montanha-russa.
Ainda assim, nunca deixam de cativar o público. Com uma compilação de 17 faixas, excluindo o single Watch, os produtores e o rapper revelam criatividade rítmica e mudanças harmónicas distintas.
Sicko Mode transporta-nos diretamente para o parque temático assim que começa a tocar. Inicialmente, um órgão de igreja toca intensamente, com acordes rígidos e prolongados. Drake é a voz inicial, com uma introdução que se enquadra no ritmo sombrio. Depois de uma paragem brusca, levando o beat a mudar drasticamente deixando-nos desamparados por segundos, surge finalmente Travis, que acaba por nos guiar, devido à sua entrada perfeita e rítmica.
“Woo, made this here with all the ice on in the booth
At the gate outside, when they pull up, they get me loose
Yeah, Jump Out boys, that’s Nike boys, hoppin’ out coupes
This shit way too big when we pull up give me the loot”
Segue-se um dueto entre Drake e Travis, onde as suas vozes se fundem para nos oferecer uma melodia contagiante. Esta canção transforma-se num elemento fundamental para viajarmos para este parque, em que inicialmente entramos com certo receio, mas depois de ganhar coragem para entrarmos efetivamente, sentimos felicidade e bem-estar.
Em Stop trying to be god, Kid Cudi trata de nos apresentar uma introdução com um beat simples. Travis segue essa batida com um tom claro e divinal, com rimas criativas, que traduzem abundantes mensagens morais. O videoclipe acaba por fazer jus à música, com imagens de alta qualidade e com uma história que nos mantém atentos ao visor.
“Stop tryna play God almighty
Always keep your circle tight
I been wantin’ shit my whole life
I’m warning you, you best not try to play God tonight
If I love her I’ma pass her on
First rule of war, you find an act of one
You can’t win a trophy or a plaque off her
But never turn your back on her”
Já em Stargazing, ficámos a “ver estrelas”, num bom sentido, claro. A melodia inicia-se com um pad simples e constante e com o autotune bastante presente. Inicialmente, parece uma música simples, mas de repente o pad é cortado de forma tão abrupta que pensamos que o que se segue já é outra música. A segunda parte começa em grande, com um beat mais ritmado e forte, acabando por dar sentido à mesma. A voz de Travis muda de tom e torna tudo mais perfeito.
“Got the keys into my city, now she know the rides
Got new money, got new problems, got new enemies
When you make it to the top, it’s the amenities
Packin’ out Toyota like I’m in the league
And it ain’t a mosh pit if ain’t no injuries
I got ‘em stage divin’ out the nosebleeds (alright, alright, alright)
And she hit that booger sugar ‘til her nose bleed (alright, alright, alright)”
O pano de fundo do trabalho é interessante, pois baseia-se no encerramento de um parque de diversões, o Six-Flags AstroWorld, criado em 1968, em Houston, cidade-natal do rapper. Assim, Scott alude a um tema social: a privação do entretenimento para uma juventude já privada de muitos direitos fundamentais, um motivo pelo qual rimar. A partir daí surge uma atmosfera, tanto nas músicas como na capa antagónica, ora alegre, ora fantasmagórica. A área onde o AstroWorld esteve, já fechado em 2005, ainda foi usada para estacionamento durante o Houston Livestock Show e Rodeo, daí o nome do álbum anterior ao Astroworld .
Com isto, entendemos que Travis esteve sempre ligado, de forma emocional, a este parque, que possivelmente marcou a sua infância. A frustração que advém da destruição do parque acaba por estar patente neste álbum, que traduz uma ideia da sua vida antes e após AstroWorld, sendo o após quase como que um roubo das suas sensações e sentimentos positivos, como podemos ver em Stargazing:
” ’99, took AstroWorld, it had to relocate
Told the dogs I’d bring it back, it was a seal of faith”
A capa foi, de longe, o maior dos preparos para o que viria em forma musical. Criado e dirigido por um dos maiores artistas visuais do nosso tempo, David LaChapelle, é notável o cuidado em representar grandiosidade em imagens psicadélicas, tanto na versão diurna, com as crianças, como na versão noturna, que conta com modelos nuas em posições bizarras. Em ambas as capas retrata-se a mesma entrada para o parque de diversões, a cabeça de Travis Scott dourada, substituindo os recursos para a família por conteúdo com tema adulto.
Esta última, revelada no primeiro dia de agosto, traz uma interpretação mais explícita da ideia central do disco. O parque de Travis aparece no período da noite com mulheres nuas e sexualizadas, num cenário que transmite uma sensação de desconforto, como se um caos se instaurasse no parque durante a noite, parecendo-se mais com um circo de horrores, tal como o evento que Six Flags Astroworld originou. Poderá estar relacionado com o evento especial Fright Nights para a temporada de outono/ Halloween em 1986.
O conteúdo do álbum lembra o mito da Fénix, pois Travis empenha-se tanto na sua reconstrução que acaba por resgatar, metaforicamente, AstroWorld, graças à sua música ritmada, composição original e cuidada e efeitos visuais de qualidade presentes nos videoclipes. Claro que o álbum não se refere somente ao parque em si, à sua construção física, mas àquilo que o mesmo representava para a população daquela cidade, a felicidade que fora retirada devido aos interesses pessoais de uns e à ganância de outros. Esta obra contém, assim, não só uma mensagem política, como, acima de tudo, ética!
Classificação TD Sessions: 8/10
Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados.
Escrito por: Larisa Rebeca
Editado por: Daniela Carvalho