The Desacordo Sessions – Com “Testing”, A$AP Rocky arriscou na colisão de sonoridades distintas

Dia 23 de maio de 2018 foi o dia em que Rakim Mayers, a.k.a. A$AP Rocky, lançou o seu terceiro álbum de estúdio, Testing. Anteriormente, numa entrevista com a GQ, A$AP revelou que, para este novo álbum, a sua premissa seria a experimentação de novos sons visto que, segundo palavras do rapper nova-iorquino: “As pessoas têm medo de experimentar novas sonoridades, acabando sempre por ir com a corrente, por ser o mais fácil de se fazer”. Depois de, em agosto de 2017, editar Cozy Tapes Vol.2: Too Cozy com a sua crew A$AP Mob, Rocky prometeu um álbum em nome próprio, agendado para o fim de 2017. Testing acabou por sair em maio e, segundo Rocky: “Eu não sou só rapper – Eu faço música. E é por isso que demorou mais tempo”. No final, compreendemos a demora e o resultado foi, no mínimo, genial.

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Com a oportunidade de assistir ao vivo ao concerto de Rocky no NOS Primavera Sound em junho deste ano, semanas depois do lançamento deste álbum, foi possível perceber o quanto A$AP estava enamorado com ele, sendo provavelmente um dos trabalhos do rapper de Harlem que serão lembrados por mais tempo. Tal como esse concerto, o álbum inicia-se com uma distorção sonora que nem o nome da música pretende esconder. Distorted Records é a faixa que nos serve de ponto de partida para este álbum, sendo toda ela cantada sobre um bass completamente distorcido e que pode, à primeira, arranhar o ouvido, mas que, depois de se sentir o flow de Rocky sobre o beat, deixa no ar a curiosidade de ver como o rapper deu continuidade a esta corajosa alternância musical.

Posteriormente, sendo um dos singles lançados antes do álbum, A$AP Forever assumiu-se como uma das músicas mais chamativas, enaltecendo a importância da A$AP Mob na vida de Rocky, com um sample de Porcelain de Moby que confere uma corrente suave ao tema, que conta também com as participações de Kid Cudi e T.I.. É nesta música que Rocky faz uma referência a Frank Ocean e ao seu álbum “Blonde”, de onde retirou a inspiração para testar sons diferentes numa só compilação:

She losin’ her mind, we kiss to Frank Ocean and Blonde”

A terceira música deste álbum, Tony Tone, mais mexida e alegre, representa uma maneira de falar em Harlem que Rocky fez questão de explicar ao Genius.Yo, what’s goodie good?“, “You going to story store?” e “Nah, what’s good with the boye boy?” foram alguns dos exemplos dados pelo rapper. Ao longo da música são várias as referências a Harlem e a esse “calão” que Rocky explica, como no início em que diz:

Stoney stone when I’m in my zoney zone
Smokin’ on the homegrown
Feeling like I’m all alone
Used to go to Kingdome, Rucker Park with Tony Tone (Harlem!)

Nesta quadra, Kingdome e Rucker Park são sítios que Rakim Mayers frequentava em Harlem.

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A$AP Rocky no NOS Primavera Sound no Porto, 2018 / Fonte: Shifter

Depois de Tony Tone, A$AP convida a britânica FKA Twigs para entrar em Fukk Sleep. Uma faixa mais calma que mostra mais uma vez o carisma e self-confidence de Rocky em frases como “Can’t forget that I’m golden, can’t forget where I’m going” ou:

“Got new bags under my eyelids, new bags up in my closets
New bags like I went shoppin’, new bags on new bags”

O grande êxito do álbum é, sem dúvida, a música que se segue. Praise The Lord é já um daqueles temas que se imortalizou nas nossas vidas. Os assobios constantes puxam por nós de uma maneira incrível e já ninguém consegue ficar indiferente ao ouvi-los. Nesta faixa, Rocky conta com o seu amigo de longa data e rapper britânico Skepta. Skepta traz-nos uma homenagem a um rapper clássico: DMX. O flow de Skepta é bastante conhecido, oriundo da vertente do Grime, mas em Praise the Lord, o artista simplifica as suas bars em três ou menos palavras, sempre com o mesmo ritmo (“duh-duh, duh-duh”), tal como DMX fez em Damien.

“I listened, to X, I peeped, the bars (yeah)
The snakes, the rats, the cats, the dogs”

Nestas duas frases com que Skepta inicia a sua participação na música além-refrão, o londrino refere que ouviu “X” (ou seja, DMX) e que pegou nas bars dele, repetindo mesmo de seguida o que DMX diz no seu tema Damien. Por sua vez, Rocky assume mais uma vez o seu estatuto de Fashion Killa, referindo marcas que usa como Dior, Vans ou Velour bem como de “playboy” quando diz:

“My vans, my braids, my mans, my babe
My girls, my ex, my hoes that I left”

A sexta música do álbum carrega alguma melancolia. CALLDROPS usa o sample de Dave Bixby’s Morning Sun, enquanto Rocky e Dean Blunt cantam nostalgicamente sobre o instrumental calmíssimo. Quase no fim da música ouve-se uma gravação feminina, que diz “This is a prepaid collect call from an inmate at Florida Correctional Institution, this call is subject to recording and monitoring“. Isto porque, de seguida, se ouve Rocky a falar com Kodak Black, rapper que se encontra preso, algo que não o impossibilitou de participar no tema. Kodak Black canta, como que a chorar de maneira agoniante e arrastada, em que se percebe o abatimento do artista quando diz:

“All the pain I went through
Turned to a singer
I put it all on my tattoos
‘Cause of where I came from
If I ain’t ever learned before
Then this my pain”

Ouve-se, novamente, a voz feminina a avisar que a chamada terminou (“This call has dropped, to add more credits press 1“) seguido de um exclamativo “Free Kodak” (“Libertem o Kodak”), vários sons de tiros e o consequente fim da música.

Chega, de seguida, Buck Shots, um tema em que A$AP Rocky conta com as participações de Playboi Carti e Smooky Margiela, e que antecede outro dos temas mais famosos do álbum, Gunz N Butter. Para este tema, com sonoridades bastante diferentes de CALLDROPS , por exemplo, foi a vez de Juicy J contribuir com a sua lírica.

Para o instrumental dessa faixa, Rocky inspirou-se numa outra música que contempla Juicy J, Still Ridin Clean do veterano Project Pat. Nesta faixa, Rocky e J juntam-se numa harmonia contra-rítmica, que podia resumir, por si só, todo este álbum. Sem dúvida uma das faixas que saltam à vista numa primeira análise ao novo trabalho do rapper nova-iorquino.

A 9ª faixa, Brotha Man conta com participações tímidas de French Montana, Playboi Carti e Snoop Dogg, mas é o tema seguinte que convida qualquer um a mexer o pé. Com um instrumental semi-progressivo, OG Beeper conta a história do jovem Rakim Mayers a crescer em Harlem com o sonho de ser rapper, acabando por sumarizar a ideia em duas frases:

“My whole life I just wanted to be a rapper
Then I grew’d and the boy became a rapper”

De certa maneira, dá-nos a ideia que nada se passou no entretanto, mas, por outro lado, as vivências contadas por Rocky neste tema, como o primeiro pager que recebeu em 1998, apresentam um certo tipo de progresso na vida do rapper. A$AP diz, em certa altura da música:

“And I modelled Dior, but I’m still a rapper”

Com isto, A$AP pretende exatamente reforçar a ideia que já desde criança sonhava ser rapper e que, apesar de fazer outras coisas como, neste caso, servir de modelo para a Dior, continua a ser um rapper, tal como sempre sonhou.

Rocky referiu em entrevista à Complex que o tema que mais gosto lhe deu fazer (e que consequentemente se tornou o seu favorito desta compilação) é o seguinte: Kids Turned Out Fine. É talvez a música cuja sonoridade se parece mais com o tal álbum de Frank Ocean referido anteriormente, Blonde.

Hun43rd apresenta-se como um escorrega em direção ao final do álbum. Talvez a música menos apreciada do projeto, que é forçadamente salva por A$AP assim que este começa a rimar sobre o beat, que não descura as distorções sonoras, embora de maneira pouco convincente.

De seguida, Changes mostra-nos novamente Rakim Mayers, a debater-se com a questão de ter marcado as suas “previous lovers” até ao ponto de mudá-las um bocadinho, da mesma forma que ele lidou com as diferentes alterações e mudanças provocadas pelas mesmas ex-companheiras.

Black Tux, White Collar surge como a forma de A$AP se debruçar sobre os problemas culturais em que os Estados Unidos da América estão afogados, principalmente questões de origem racial. Para este tema, Rocky contou com a participação do seu afiliado, Playboi Carti e, juntos, criaram uma faixa carregada de ironia.

Por fim, a 15ª e última música do álbum, Purity reuniu Frank Ocean e… Lauryn Hill. Exato, a rainha do hip-hop está também presente em Testing graças ao seu sample de I Gotta Find Peace Of Mind. Purity decorre de uma maneira suave, com Rocky a fazer uma retrospetiva da sua vida enquanto famoso, e do quanto esta a obriga a afastar-se da sua família e amigos, bem como o quão difícil é para ele encontrar sossego e a tão desejada “Peace of Mind”. Ao longo da música, tanto Frank Ocean como Rocky, dão exemplos de coisas que os impedem de alcançar a tal paz de espírito:

“Brain on drugs, I still ain’t got no peace of mind, fuck” – Frank Ocean

“Amphetamines for the dosage
Keepin’ me up and focused” – A$AP Rocky

Com isto, Frank e Rocky referem que a escapatória para essa vida de correria dos famosos são as drogas. Apesar de temporariamente relaxados devido aos efeitos psicóticos das mesmas, ainda assim, nem um nem outro se sentem verdadeiramente tranquilos.

A$AP Rocky arriscou imenso neste seu último trabalho. O hip-hop representa cada vez menos a experimentação e inovação, mas Rakim Mayers nadou contra a corrente utilizando vários tipos de sonoridades, nomeadamente a desaceleração dos vocals e a distorção do bass que, ao vivo, dá outra energia à performance do rapper em palco. Talvez por ser homónimo de um dos rappers mais clássicos de sempre (Rakim), Rocky parece ter nos genes o que é preciso para ladear os grandes do hip-hop e só nos cabe dar graças por sermos contemporâneos deste artista, que cada vez mais se vai tornando num músico completo.

Classificação TD Sessions: 8/10

Este artigo de opinião é da pura responsabilidade do autor, não representando as posições do desacordo ou dos seus afiliados. 

Escrito por: Bruno André

Editado por: Daniela Carvalho

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