The Desacordo Sessions: Angel Olsen e o seu processo catártico

Após o enorme sucesso do álbum My Woman, apresentado ao público no ano passado, Angel Olsen está de volta com o seu mais recente projeto: Phases. A artista norte-americana, que passou por Portugal na última edição do NOS Primavera Sound (no Porto), lançou na passada sexta-feira, 10 de novembro, um álbum composto por faixas gravadas ao longo dos últimos anos, que nunca chegaram a entrar nos seus projetos lançados até à data.

Temos assistido a uma evolução significativa da popularidade de Angel Olsen em cada lançamento consecutivo, mas damos principal destaque para o álbum My Woman, lançado em setembro de 2016, onde o mesmo é composto por sonoridades diferentes que não haviam sido tão confortavelmente exploradas pela artista em projetos anteriores, tendo incluído a utilização de novos instrumentos como sintetizadores, que atribuem um universo espacial e psicadélico às suas canções. Mas para além desta componente experimental a nível técnico, também podemos escutar algumas canções ligadas à vertente mais pop e, ainda assim, não perdendo a essência que carateriza a música da cantora, como, por exemplo, o seu êxito “Shut Up Kiss Me” desse mesmo mesmo álbum.

Apesar deste novo álbum, Phases (que pode ser ouvido aqui), ser apenas composto por canções gravadas pela artista ao longo dos últimos anos, que simplesmente não correspondiam aos critérios dos álbuns anteriormente lançados, é possível observar uma preocupação detalhada, de modo a que a ordem das faixas se encaixem de acordo com o que o álbum nos tenta transmitir: um processo catártico demonstrado através de fases (como o título do projeto indica) da evolução de Angel Olsen, não só enquanto artista, tanto a nível sonoro como a nível lírico, mas também enquanto pessoa, abordando temas que lhe são próximos como o amor, através de um storytelling brilhante.

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O álbum inicia-se com Fly On Your Wall, uma canção que se carateriza por possuir um ritmo lento do tradicional indie-folk que a artista nos tem vindo a habituar. Podemos encontrar algumas influências musicais, como nos acordes de guitarra simples que nos lembram uma balada dos The Velvet Underground. Esta faixa, que confesso ser uma das minhas favoritas do projeto, encanta-nos com a sua letra abstrata que se trata de um amor imaginário por parte da protagonista, sob um som um pouco mais sombrio que o costume.

“A love never made is still mine
If only real in my mind”

Assim como na música anterior, também em Special encontramos uma sonoridade semelhante à que já havíamos acompanhado anteriormente nos seus últimos álbuns. Uma faixa que tem tanto de comprida (chegando a mais de 7 minutos), como de profunda a nível lírico. Esta canção, escolhida para ser um dos singles do projeto, reflete sobre uma relação complicada, onde idealmente seria de esperar um interesse mútuo e empenho de ambas as partes do relacionamento, mas no entanto compreendemos que uma das pessoas se encontra distante e desligada do amor que existia entre eles, deixando a outra vulnerável e com a emergência de se sentir “especial” para o seu parceiro.

“I see you, and it’s unclear
I need you to show you’re here
Tell me, I’m nothing to fear”

De seguida, somos deparados com Only With You, em que a simplicidade desta música, que a nível de instrumental conta apenas com uma melodia composta por simples acordes de guitarra, relembra-nos para aquele que é um dos maiores trunfos musicais de Angel Olsen: a sua voz. Para além disso, relativamente ao conteúdo lírico, vemos que Olsen se apercebe que apesar da sua relação amorosa ter acabado, ela continua a querer reviver esse amor, mas tendo perfeita consciência de que ela não era aquilo que o seu parceiro estava à procura.

“All your life you’ve been looking
Whatever it is, you don’t find it in me”

Segue-se All Right Now, que à semelhança da última faixa, também esta nos surpreende pela ausência de uma complexidade incompreensível, ao substituí-lo por uma clareza natural, desde a utilização dos agudos do seu timbre hipnotizante à própria letra. Aqui a cantora sintetiza subconscientemente (ou não) de maneira sublime aquilo que é o indie folk.

Chegamos a Sans de coração cheio, onde notamos uma ligeira distorção da voz da cantora americana, em que à primeira audição nos questionamos se estaremos a ouvir uma canção de Angel Olsen ou de uma artista qualquer dos anos 60. Aqui fala-nos na sua dificuldade em estar sempre a viajar (devido às suas digressões), pois isso afeta-a não só a nível físico e psicológico, como interfere também nas suas relações.

“Well, I’m feeling kinda tired
But I know it’s for the best
Even when you’re dreaming, you’re not getting any rest
Grasping at the meaning of a love to call my own
Wish it were as easy as just picking up the phone”

Sweet Dreams aparece de surpresa por ser completamente diferente das músicas presentes no álbum. Aqui temos uma fantástica faixa crua e acústica, que quase parece uma gravação retirada de um concerto, onde podemos encontrar uma indiscutível semelhança do rock psicadélico e alternativo, que começou a aparecer nos anos 60, através de malhas rebuscadas e acordes de guitarras ligeiramente distorcidos, sob uma batida que completa a eletricidade e ritmo presentes na canção. E para além disso, no que diz respeito à letra, a compositora fala-nos na frágil efemeridade que é a vida.

“And the time will come for everyone
For everyone to know
Yes the time will come for everyone
For everyone to go”

Entramos na segunda metade do álbum com California, sem dúvida das canções mais complexas, tanto a nível lírico, como a nível técnico, desta obra. A artista faz uma descrição detalhada que retrata a essência do amor que nutre por outra pessoa. Isto é feito de uma maneira magnífica, como a cantora já nos tinha habituado, mas aquilo que mais surpreende nesta música é o uso do timbre versátil de Angel Olsen que lhe permite utilizar um “tremer” de voz (que de certa forma, relembra o estilo tirolês) em certas partes da letra, de maneira a simular que está à beira de desatar em choro, atribuindo assim um efeito mais dramático à faixa, de maneira absolutamente genial.

“In the silence dripping wet with
Kisses running down my lips
Could be just a good friend
Who knows at this point anyway”

Seguidamente, chega Tougher Than The Rest, uma rendição espetacular do original de músico Bruce Springsteen, tendo Olsen optado por uma abordagem diferente, ao transformar a canção numa balada que nos transmite intimidade com a cantora em questão. É daqueles clássicos exemplos em que a cover é quase tão boa como a original.

Já perto do final, encontramos uma pequena pérola chamada For You. Embora seja a canção mais curta do álbum, é talvez uma das melhores, pois destaca-se pelo seu caráter hipnotizante devido aos vocais suaves utilizados pela artista, sob os simples acordes de uma guitarra acústica.

“For you I’m cooked to you so rare
You are and someone’s there to believe me
Never leave me
With you there’s so many new things to be done”

How Many Disasters May As Well aparecem de seguida e calculo que não tenha sido mera coincidência que a ordem destas duas músicas tenha sido colocada no álbum. Na minha opinião, estas canções complementam-se de maneira perfeita, onde na primeira, a protagonista admite ainda estar apaixonada pela outra pessoa, quando sabe que não é correspondida. Posto isto, transitando de maneira subtil para a faixa seguinte, entendemos que a personagem principal aprende a viver com o facto de esse ser um amor impossível, mas nunca esquecendo essa pessoa que a fez feliz.

Por último, Angel Olsen encerra este projeto de uma maneira belíssima com Endless Road, voltando às origens do folk tradicional que a carateriza tão bem, através de uma malha que nos transporta para uma noite de verão à volta de uma fogueira, enquanto acampamos num bosque. Quem sabe, será uma homenagem ao género musical que sempre influenciou o seu som caraterístico. Para além desse sentimento acolhedor que nos transmite, tal como na faixa Sans, fala novamente de viajar, mas neste caso ao contrário do fado e do cansaço que descreve em Sans, aqui fala das suas viagens com paixão, referindo o facto de serem elas que a disparam para novas aventuras e que a sua verdadeira casa é quando está na estrada a viajar.

“Oh, but I’ll keep travelling on
Keep looking at the dawn
Till I can lay this lonesome body down
And when that day has come
I nevermore will roam
And every road I see will lead me home”

Em suma, aquilo que devemos reter ao fim de escutarmos este brilhante álbum é que, embora não seja o melhor projeto de Angel Olsen, compreendemos uma evolução da componente sonora e lírica da artista que nunca desilude. Lembrando que este não é um corpo de trabalho musical, mas sim uma compilação bem estruturada de canções (gravadas em diferentes fases da sua carreira enquanto artista) que não haviam sido lançadas nos seus projetos anteriores, e ainda assim consegue ser formidável.

Faz-nos pensar que o medíocre, segundo Angel Olsen, é o excelente de muitos artistas. Isto deixa-nos então expectantes e ansiosos para aquilo que a cantora americana terá para oferecer nos seus próximos projetos e que, certamente, não irá desiludir.

Classificação TDSessions: 7.5/10

Escrito por: Cláudio Nogueira

Editado por: Ricardo Marquês

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