Perdemo-nos com “+”, suspirámos (e ainda chorámos) com “x” e agora só nos resta acreditar em “÷”. Ao fim de um ano, a espera terminou e Divide, o novo álbum de Ed Sheeran, começou a dividir-nos o coração em Eraser e só terminou em Save Myself.
Sem perder as letras sensíveis e as melodias acústicas dos dois primeiros álbuns, Ed presenteia-nos com o que diz ser (e nós confirmamos) o melhor que já fez em toda a sua carreira. Entrar em Divide é entrar num mix que segue dois caminhos: um que junta desde pop, rock, r&b, folk até hip hop, em que já antes se tinha estreado; outro que começa na sua infância, que passa pela sua independência enquanto pessoa e artista, que nos mergulha nos seus amores, mas também nos trás à superfície nos seus desamores e que toca ainda, tal como tudo, na morte. Entrar em Divide é, mais ainda do que nos lançamentos discográficos anteriores, entrar no que de mais profundo Ed tem para dar aos seus fãs.
Apesar de ter feito uma pausa na sua carreira, o cantor e compositor dedicou-se inteiramente de corpo e alma a este novo projeto que tem tudo para ser o álbum do ano. Um álbum mais maduro, em que é notória uma maior confiança em si próprio e no seu trabalho, como que se em vez de um ano, uma década se tivesse passado desde o seu último lançamento e Ed tivesse passado de dar os primeiros passos, a fazer novos amigos no primeiro dia de aulas do 5º ano. Mas os passos são grandes, e conjugados com a antecipação que deixou nos fãs ao longo dos últimos meses, fazem de Ed Sheeran grande.
Em termos estéticos, “÷” segue a lógica matemática de “+” e “x”, alterando a sua estrutura visual no que toca à cor, tendo sido o azul, depois de laranja e verde, o tom escolhido (quem sabe o próximo álbum intitular-se-á de “-“).
A primeira faixa do álbum, Eraser, introduz neste projeto um resume da carreira de Ed Sheeran. O liricismo acompanha os altos e baixos do que é ser um artista: por um lado a fama e o sucesso, por outro a inveja e as adições. Esta é uma das músicas em Divide que inclui hip hop, sendo que o cantor descarrega todas as mágoas acumuladas numa vida passada em palcos através das rimas. Apesar de ter chegado onde chegou, não se sente orgulhoso o suficiente na pessoa em que por vezes a sua carreira o torna, no entanto admite não ser no amor que encontra o seu pain eraser.
Castle on the Hill foi, em conjunto com Shape of You, um dos dois primeiros singles deste álbum a serem lançados. Mais do que qualquer outro alguma vez produzido, este single retrata uma infância de deixar o coração cheio, vivida na cidade que o viu nascer, o que faz desta faixa única. Ed cresceu em Framlingham e conta-nos, ao ritmo de uma batida agitada, mas que deixa uma certa melancolia devido ao tema, o amor que tem a esta terra e que, andando sempre pelos quatro cantos do mundo, conta os dias para voltar a casa. A produção é do maestro Benny Blanco, tal como a de muitas outras faixas no álbum.
Dive retoma a vulnerabilidade das músicas dos álbuns anteriores, entrando nos planos românticos e emocionais que tão bem caracterizam Ed. É uma faixa com a alma dos anos 50/60 e que aproveita as sequências temporais da música em geral desta época. A devoção do cantor conta ainda com a participação de Jessie Ware, na passagem “What’s your history?”, que acompanha o mistério que paira ao longo da música.
Shape of You é provalmente a faixa mais ouvida do álbum. Constitui, tal como o álbum em si, um mix inspirado numa melodia em conjunto com um beat de dança, que são acompanhados pelas guitarras, xilofones e percussões que formam o ritmo. Originalmente, o single foi gravado para a Rihanna, mas o cantor acabou por guardá-lo para si. Liricamente, é um single controverso e não tão Ed Sheeran pois é mais focado na atração física do que na emocional.
E como não poderia deixar de ser, Divide teria que ter a típica canção de amor que deixa todos (e todas essencialmente) de coração quente. Comparada ao antigo hit Thinking Out Loud, Perfect mergulha nas letras e na acústica do romantismo, sendo esta dedicada à atual namorada do cantor, Cherry Seaborn. Em oposição, Galway Girl é um puro tributo às tradicionais canções irlandesas, quer em termos líricos, quer em termos de produção rítmica. Foi escrita em conjunto com a banda de folk irlandês Beoga e troca os “loving arms” por uma noite num pub irlandês com uma rapariga aleatória. Para além de tudo isto, Ed inclui mais uma vez o hip hop numa das suas músicas.
Happier é o testemunho de quem se arrepende por ter deixado alguém para trás e tempos depois apercebe-se que essa pessoa seguiu em frente. É mais uma das faixas que representa a maturidade lírica e pessoal de Ed Sheeran, que consegue dar a volta aos sentimentos numa situação de break up. Ainda em relação a antigos relacionamentos, New Man é uma conjugação dos pensamentos do artista no que toca não a um homem em especial, mas ao estereótipo de homens que a rapariga de quem ele fala gosta (ou pensa gostar), visto que esta ainda tenta encontrar conforto em Ed.
Mas como Hearts Don’t Break Around Here, esta é outra das faixas dedicadas à namorada do cantor e ao quanto este aprecia o amor que ela lhe retribui. Novamente em termos acústicos, mostra uma vertente sua mais sensível, ainda mais sensível do que a da pessoa de quem fala, como se tivessem trocado de papéis e fosse Ed quem possui agora medos e inseguranças.
What Do I Know? é a expressão do desejo de mudar o mundo e fazer algo por ele, apesar de Ed não ter bem a certeza de como o fará. O facto de não possuir um curso superior já não é algo que o assombra nesta faixa, tendo provavelmente derivado daí o ritmo exuberante, pois sabe que apesar de tudo tem a música do seu lado e que esta tem um grande impacto no mundo. How Would You Feel (Paean)? é mais uma referência à companheira do cantor, sendo que Paean é o seu nome do meio. A faixa conta com a participação de John Mayer num solo de guitarra, em conjunto com a guitarra acústica de Ed.
Como não seria possível ouvir um álbum de Ed Sheeran sem derramar umas quantas lágrimas, Supermarket Flowers é a mais brilhante e genuína referência a algo tão perturbador como a morte. Com Johnny McDaid no piano, esta faixa é mais um tributo, desta vez à avó do cantor que faleceu durante os tempos em que este gravava o álbum. Foi escrita do ponto de vista da sua mãe, em que a sua avó é representada através de uma genial metáfora angelical, sendo que o liricismo no seu geral é de deixar qualquer um sem palavras. Sem se focar propriamente na morte, a letra revela boas memórias e o impacto de quem partiu. “Hallelujah”.
Barcelona é a música alusiva à cidade espanhola, em que Ed destaca vários elementos do país, desde Las Ramblas à sangria. É uma das faixas mais ritmicamente estimulantes, tal como Bibia Be Ye Ye. Escrita em conjunto com o rapper Fuse ODG, liricamente contém algumas partes, como o refrão, escritas na língua local do Gana. Conta também com a participação de KillBeatz e O.T. na guitarra e é a típica música do álbum que deixa qualquer um com vontade de se fazer a uma pista de dança.
E como só uma não basta, Nancy Mulligan é não só outro tributo em Divide à música irlandesa, como também um tributo aos seus avós paternos Nancy “Anne” Mulligan e William “Bill” Sheeran, especialmente à sua avó que é irlandesa. Ed diz ter escrito esta faixa para honrar o amor dos seus avós, que era quase um amor de Romeu e Julieta. Novamente, é uma faixa ritmicamente divertida, que contou mais uma vez com a ajuda do grupo Beoga.
Por último, Save Myself é a música mais inspiradora nesta versão deluxe do álbum. Antes de podermos ajudar e amar os outros, precisamos de nos conseguir ajudar e amar a nós próprios. Amor próprio é o tema chave em que para além de verdadeira, a mensagem que transmite é uma em que muitas pessoas provavelmente se reveem. O cantor começa com Eraser, em que não se sente seguro da pessoa que é, e termina com esta temática, como se ao longo das 16 músicas tivesse amadurecido e ganho a coragem que precisava para se erguer. Ao som de alguns membros da Orquestra da Irlanda, Ed Sheeran diz (e sente): “So before I save someone else, I’ve got to save myself.”
No fim de se ouvir estas 16 faixas, é impossível não se acreditar em Divide. Não só em Divide, como em Ed, que se vai tornando a ele próprio na melhor definição de genial. Um cantor gigante e com um coração ainda maior, leva-nos nas suas aventuras sempre como se fossem as últimas, e este álbum é o grande testemunho disso. É o gigante testemunho de que uma mente consegue descodificar grande parte deste mundo, e transmiti-lo àqueles que não o veem tão bem. É verdade que nos dividiste o coração, Ed Sheeran, mas nós perdoamos-te.
Classificação TDSessions: 9/10
Escrito por: Inês Queiroz
Editado por: Ricardo Marquês